Julgo por vezes que ninguém que mereça respeito intelectual simpatiza
com o mundo idiota e perigoso das praxes universitárias. O que é que isto
significa? Que tenho uma visão restrita das pessoas que merecem respeito
intelectual? Talvez. Sou um sentimental, mas não confundo afecto e piedade com
admiração. Não acho inteligentes ou iluminadas todas as pessoas que amo ou por
quem tenho compaixão. Neste tempo de dificuldades, por exemplo, apiedo-me do
país, mas continuo a não o ter lá assim em grande consideração. O país aceita
as praxes — eu tenho pena do país também
por isso.
O que acho mesmo que isto significa é que ninguém respeitável do ponto
de vista intelectual tem poder ou, tendo-o, o quer exercer contra a
imbecilidade geral. Isto significa também que à frente de uma parte das
universidades, como do país, estão idiotas, comodistas ou cobardes. Ou apenas gente manietada.
A natureza estupidificante e fascizante das praxes universitárias está há
muito identificada. Num mundo de adultos, ou num mundo de gente decente e
culta, a sua abolição tinha ocorrido há muito, sem dramas, com a veemência célere
e inelutável dos gestos necessários e consensuais.
Acontece que Portugal não é nenhum desses mundos. O poder dos reitores
e o poder da gente decente e culta é limitado. O respeito intelectual é uma
daquelas coisas obsoletas, como a palavra de honra ou a honestidade. Quem o
merece, torna-se geralmente clandestino, por segurança. Como nos media e na rua, a indigência intelectual
sequestrou o que resta de inteligência e cultura no campus. Os reitores são tolerados no seu posto — não exactamente respeitados
ou obedecidos. Os professores não contam, e muitos deles são suficientemente
cultos e intelectualmente respeitáveis para abominar as praxes.
No mundo de anedota que é Portugal, os próprios jornais de referência identificam
um rapazola qualquer como «ex-responsável pelo conselho de praxes». Notem-se os
termos, a sisudez e a gravidade dos termos: «ex-responsável» para definir um ex-cabecilha
de uma comandita vocacionada para a galhofice e a humilhação. Como se houvesse naquela
figuras alguma ponta de responsabilidade no sentido institucional ou ético do
termo. Como se com frequência aquela responsabilidade não fosse meramente do âmbito
do Código Penal. E «conselho de praxes», assim, embrulhado em respeitabilidade,
em seriedade, como se os adultos dos jornais se empenhassem na brincadeirinha
das crianças, sorvessem cerimoniosamente o chá que não está nas chávenas,
mastigassem convictos e censurando-se as cólicas a lama dos bolinhos que as
crianças lhes dão a comer.
Que a rapaziada nos seus divertidos e irresponsáveis vinte anos crie «conselhos»
e nomeie «responsáveis», determine «códigos» que regem a companhia alegre,
compreende-se — quem não quis ter na adolescência um clube secreto ou uma casa
na árvore? Que os adultos de um país, os seus jornais, as suas instituições e
os seus líderes não ponham limites à brincadeira é caso para levar a nação ao
divã de Freud ou a internar no Conde Ferreira. Se houver verba. E vagas.
... e eu que achava que o Conde Ferreira tinha sido encerrado!
ResponderEliminarA final, não existem mas é vagas!
É natural...; e instituiu-se o manicómio a céu aberto. Aqui, cabemos.
É isso, manicómio a céu aberto. :)
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