Francisco José Viegas toca num ponto essencial: «as pessoas “já não se envergonham” de dizer que não lêem livros.» O mesmo é dizer que as pessoas já
não se envergonham de não lerem livros.
Na emancipação do povo português houve este equívoco fatal: as pessoas acharam
que a grande vitória era perderem a vergonha da sua condição — quando a grande
vitória deveria ser terem ultrapassado
a sua condição.
É verdade que em momento nenhum da História deveria ter havido razões
para que alguém sentisse vergonha das suas origens humildes. Mas, do mesmo modo
que as pessoas procuraram vencer a pobreza enriquecendo, do mesmo modo que
ninguém hoje se orgulha de ser pobre
mesmo quando tem o azar de o ser, ninguém devia sentir orgulho de não ler.
Sai-se de uma situação de carência estrutural suprimindo essa carência, não passando
a decretá-la virtuosa. A incompetência do país vive também deste equívoco.
A questão é esta: em tantos casos, mais do que terem perdido a vergonha
de não lerem, as pessoas sentem um orgulho revanchista nessa sua recusa dos
livros. Como se os livros e a leitura fossem caprichos das antigas classes
opressoras e a libertação só ficasse completa com a sua abolição. Muitos destes
revanchistas, mais ou menos conscientes do seu jacobinismo desajustado e patético,
ocuparam cargos ou conquistaram notoriedade, granjearam influência. Uma grande
parte da nossa classe política, da classe política que tem desgovernado o país
nas últimas décadas, é constituída por arrivistas destes.
Quem julga que os livros são um problema de editoras e gente ociosa é já
um produto desta emancipação falhada. E há demasiada gente com
responsabilidades a julgá-lo.
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