Uma parte da geração de direita que está hoje no poder ou o orbita teve
formação intelectual. Não aderiu a um partido apenas como quem adere a um clube
de futebol (embora muitas vezes aja como se o tivesse feito): casuisticamente,
por inércia, seguidismo ou tradição familiar. Tratou de encontrar leituras filosóficas
e políticas que fundamentassem a sua escolha ou inclinação natural.
Em muitos casos, deve dizer-se, a procura literária visou apaziguar a
suspeita instintiva e embaraçosa de que há algo de errado com o privilégio que
se tem ou ambiciona. O método consiste em soterrar a dúvida, o mal-estar, o escrúpulo
ou o remorso com umas dezenas de volumes e autores. Ao fim de uma curta
biblioteca, fica-se apto a considerar um bem universal a existência de ricos e classes
favorecidas. Faz-se até equivaler o pragmatismo capitalista (que opera no
pressuposto de que o homem é ambicioso por natureza e isso é inelutável) a uma
legitimação das castas.
Alguns dos que percorreram com empenho a biblioteca acreditam genuinamente
nela e desejam mesmo, com sinceridade e bons sentimentos, que ela funcione para
o bem geral. Outros frequentaram-na apenas o suficiente para obterem o seu
alibi. Se o ideário direitista se revelar um logro, tanto pior para a classe
média, desde que eles o possam continuar a apresentar como bibliografia
recomendada.
As jotas partidárias, contudo, funcionam numa lógica ainda mais
mesquinha, mesmo quando se servem — geralmente em segunda mão — da mesma biblioteca.
É por isso que a JS se pode equivaler, não só operacionalmente, à JSD e à JP: pela
lógica da seita que acomoda os movimentos, as estratégias, as tácticas e os
objectivos dos grupos. Aqui já não se trata de grupos ou classes socais tomados
intemporal e universalmente, mas de um conjunto delimitado e identificado de
elementos que se visa proteger e favorecer. A equivalência entre as jotas e as
claques de futebol, no estilo, nos valores e nos métodos, não é fútil.
Quando Hugo Soares e os cinco anónimos deputados da JSD propõem um
referendo sobre a co-adopção não estão a tentar ser irreverentes e ousados de
uma forma moderna (na sociedade actual, o conservadorismo é mais irreverente do
que o esquerdismo clássico e por isso alguns o adoptaram) — estão a ser
solidários e a agir em articulação com os seus irmãos jotas hoje no poder. É
uma espécie de maçonaria ou Opus Dei, ainda que sem transversalidade partidária,
com circunscrição clubística. Os seus elementos devem mais lealdade à seita do
que ao partido, e muito mais do que à sociedade.
Que a recusa da co-adopção seja também uma das bandeiras conservadoras
é apenas uma coincidência feliz. O mais importante era a manobra dilatória — e
captar as atenções, obter protagonismo. Os valores ou princípios são instrumentos,
caprichos, ferramentas levantadas mais ou menos ao acaso do armário disponível
na sede partidária. Exceptuando um punhado de idealistas geralmente sem
expressão, os jotas apenas visam obter poder e privilégios dentro do sistema,
contra o resto da comunidade — esta é a triste realidade.
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