Levantam-se da mesa, deixam os homens na sala e vão para a varanda
fumar, com os copos pousados num móvel contíguo. Já não se viam há algum tempo,
possivelmente desde as últimas férias de Verão, talvez desde as anteriores. Duas delas
falam da terceira como se ela não estivesse presente, mas não a estão a excluir
da conversa. Estão a explicar-lhe, quase de forma encenada, o que pensaram e
disseram entre elas sobre a amiga quando a viram, cada uma em sua ocasião. Que
não podia ser, não cresciam assim. Era coisa que se tinha ou não se tinha, e
ela antes não tinha. Não como agora. A primeira conta que, logo que viu a Clara
(chamemos-lhe assim), lhe atirou de imediato aos mãos ao peito. Não esteve cá
com coisas. Era como São Tomé, precisava de ver com os dedos para crer. Clara tinha defendido, com o seu narizito indignado,
que eram naturais, mas ela não acreditava. E o tacto não lhe mentia. Clara anui,
entrando na conversa: sim, as coisas tinham-se passado daquele modo. Ela tinha
querido brincar durante um bocado, embora soubesse que as amigas acabariam por
perceber. Mas não lhe ficavam bem?
Tinha sido depois de se separar do Júlio. Ele não se fora embora por
causa das mamas dela, mas Clara precisava de se concentrar em alguma coisa para
esquecer o desgosto. E se o pensou melhor o fez. Já tinha lido muito sobre
aquilo, como todas, os métodos, os riscos, quem pôs e quem não pôs.
Seguem-se alguns minutos em que as três esgrimem a sua bibliografia, em
diferentes tons de rosa mas no mesmo papel couché
ou acetinado, sobre o assunto.
Depois desse interlúdio estético-medicinal, Clara retoma a questão
anterior. O desgosto amoroso não era assim tão mau, talvez ela tivesse avançado
para a cirurgia de qualquer modo. O desgosto, aliás, era parte da vida das pessoas, «toda
a gente tem direito a ter um desgosto de amor».
Ter-se-ia ela enganado? Teria querido dizer que toda a gente, num
momento ou noutro da sua vida, tinha, naturalmente, um desgosto de amor? Ou
estaria a socorrer-se de um discurso reivindicativo, o povo pela voz dela a
reclamar direitos iguais aos dos ricos, mesmo que esses ricos sejam os das
novelas ou os dos romances de Margarida Rebelo Pinto? Umas mamas de silicone e
um desgosto de amor podem ser anseios legítimos e equiparáveis da classe
operária?
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