Não li e, por falta de tempo, não tenciono ler as sequelas d’Os Maias publicadas pelo Expresso (excepto a de Rentes de
Carvalho, por interesse particular). Mas li com um sorrisito a crítica de sábado
de Vasco Pulido Valente. O cronista do Público
até pode ter razão na análise e na substância da sua crítica à iniciativa
estival do semanário de Balsemão, mas tem forçosamente de se lhe notar um ânimo
de virgem ofendida: tocaram no seu Eça e na sua História de Portugal: aqui d’El
Rei!
Desconfio, com suficientes motivos, que VPV escreveria catilinária
semelhante mesmo que os livrinhos do Expresso
fossem todos de inequívoco acerto e interesse.
De resto, quando VPV se mostra tão possessivo em relação a Eça de
Queirós está a cometer o pecado da soberba. Ao contrário do que lhe dizem e ele
na sua ilusão acredita, Valente não é Eça reincarnado. Desde logo porque não há
uma linhagem tibetana do escritor do monóculo que permita reivindicações do
género guru alfacinha. Mas sobretudo porque, ainda que VPV tenha um bom domínio
da língua e da verrina, falta-lhe humor.
Eça não era talvez menos corrosivo e maldoso do que VPV, mas era mais
alegre. Quando embarcava numa prosa demolidora fazia-o com o espírito jovial de
quem sai de casa para se divertir. VPV derrama a sua verve como a agoniada criatura
da série Alien (que derretia muito
metal mas não
parecia nada divertida ao fazê-lo).
A verdade é que onde Eça usava a ironia VPV usa o sarcasmo, ou, como
reza o dicionário, a ironia acerba, amarga, azeda. Quando lemos Eça de Queirós damos
por nós a olhar em volta à procura de quem soltou as gargalhadas que ouvimos (é
o nosso momento, breve, de acreditarmos em encarnações), mas depois percebemos
que elas emanam do próprio texto, são manifestações do autor, metempsicose entre
um espírito oitocentista e o chumbo da mesa de composição na tipografia. Já a
última página do Público ao fim-de-semana
induz outra mística: lemo-la com o embaraço de quem dá por si a espreitar pela
janela a perversão secreta de um feroz inspector da ASAE.
Eça não deixava que a necessidade de arrasar perturbasse a ocasião de
rir — VPV age com a incumbência e o humor de um mangas-de-alpaca da corrosão. Eça
ria-se como um diabrete — Vasco, se é que ri, ri como um velho diabo.
não há comparação possível, mesmo.
ResponderEliminarmesmo que o não fosse, fica-se com a sensação que Eça escrevia com leveza e prazer, sabendo quase sempre ao que ía.
VPV é sobretudo um "pote de veneno", alguém que quando começa a escrever, a primeira questão que aborda deverá ser: «hoje vou dizer mal de quem?»
e depois há o talento natural para contar uma história,que VPV não tem.
não é por acaso que nunca escreveu qualquer romance: não consegue.