Tenho definitivamente uma costela de velho aristocrata. Não é à toa que me encanta o ghost writer por detrás de Francisco José Viegas: o saudoso António Sousa Homem cujos escritos ortónimos ao que sei cessaram, embora ande algo deles n’O Coleccionador de Erva, do seu pseudónimo mais famoso. Passeando por Vidago, dou comigo a lamentar a decadência das famílias e dos costumes que deixa semideserto o parque em favor de um Algarve novo-rico, plebeu e dum sensualismo exibicionista, suado e pegajoso. Pessoalmente, não me desagrada que a afluência a Vidago seja baixa no dia em que ali me dirijo. Tomo-a até como um sinal de respeito, de consideração pelo meu olfacto sensível. É conceptualmente que me lamento. Imaginaria — com caduco romantismo e grande abnegação, bem se vê — que os calores de Agosto fariam recuar as pessoas de bom gosto às sombras frondosas de um parque termal e não avançar belicamente para as areias marroquinas do Andalus. Mas depois ponho-me no lugar do tuga hodierno: o que há para fazer no parque de Vidago? Passear à sombra de plátanos, tílias e quejanda vegetação? Sentar em bancos de jardim como que à espera de um transporte que não vem? Namoriscar de castas mãos dadas em homenagem à avozinha? O golfe é um aborrecimento de milionários. O ténis e a piscina são só para clientes do hotel. A terapêutica biliar faz-se hoje com químicos, e nunca no Verão.
Há uma saudade cor de amêndoa na maioria das epidermes lusas, prova de
que a presença árabe ou berbere no nosso genoma é maior do que estamos
dispostos a admitir. O português quer retomar no Verão o aspecto dos seus
ancestrais mais carregadamente mediterrânicos, por isso se põe a tostar ao sol
em vez de ir beber copinhos de água para as termas, à sombra, como faria o outro
lado da família, com sangue mais asturiano.
No meu corpo, a reconquista começou há uns anos e, se não me devolveu a
fé cristã, pelo menos devolveu-me o horror ao sol directo e o gosto por
castelos e palácios. Sim, passaria bem o Verão no Palace de Vidago, andando
descalço e transgressor pela relva do green
de dezoito buracos que sobe a encosta e serpenteia deliciosamente pelos bosques
e depois pelo pinhal, jogando ao final da tarde um ténis desastroso no court escondido como um recanto amoroso,
tomando atrasado os meus pequenos-almoços sob um anacrónico guarda-sol às
listas (já não há) no terraço com pernadas de hera à espreita na balaustrada,
forçando-me a evitar a piscina por ter memória da antiga e não querer
profaná-la mergulhando no enxerto de Sisa actual, lendo avolumadas e pacientes páginas
nos tais bancos de Godot (ou, de novo transgredindo, de barriga para o ar na
relva aparada e fresca do buraco 17) e, claro, jantando demoradamente no salão nobre
como um orgulhoso conde austríaco com os turcos às portas de Viena.
Gosto mais de si assim, burguesíssimo, quase totalmente convertido.
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