quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

A partir de “Portugal, finis terrae”, de Pedro Rosa Mendes

A Ler tem um novo número nas bancas, mas aquele que é urgente ir comprar, para quem ainda não o fez, é o de Janeiro. Por causa de “Portugal, finis terrae”, esclarecedor ensaio de Pedro Rosa Mendes ali publicado. Nenhum português deveria considerar-se informado (ou adulto) sem o ter lido. É um texto escrito em tom vigoroso, porém sóbrio, acerca das origens históricas da crise que vivemos. Informa, alerta e incomoda, não deixa quase ninguém incólume: dos partidos da alternância à «Europa» (grafada com aspas, num interessante paralelismo com o costume de Vasco Pulido Valente), passando pelos EUA. Talvez poupe um pouco, em minha opinião injustamente, os portugueses enquanto povo.
A grande singularidade do texto de Pedro Rosa Mendes, a par da sua opinião informada e da coragem com que ele a expressa, é a independência em relação às instituições e em relação às tendências político-partidárias. Há, à esquerda e à direita, outras pessoas no país que fazem diagnósticos coincidentes, pelo menos em boa parte, mas as suas relações afectivas ou de interesses, o seu comprometimento ou proximidade aos partidos, limitam-lhes a coerência, tornam-nas inconsequentes, inúteis ou perniciosas. O mundo dos comentadores políticos é geralmente um território de canto coral ou onde drapejam bandeiras.  
É hoje para mim claro que o futuro português não pode ser construído pelos partidos, estes partidos. Dos municípios ao Governo, o país precisa de um reset, de se reinventar politicamente, e isso não se consegue fazer com gente tão implicada, tão cúmplice, tão presa aos métodos e aos desígnios das facções. Não se consegue fazer com protagonistas que andam pelo país como mercenários a repartir despojos ou por militantes que estão na política tão estupidamente como no futebol.
Não se trata de tirar razão à esquerda ou à direita, de invocar um hipotético centro virtuoso. Não tem nada que ver com esta posição ingénua, igualmente maniqueísta, de consensos pantanosos.
Trata-se de dizer abertamente que os partidos portugueses são cancros na sociedade e que detêm, em doses semelhantes, a culpa da situação que vivemos. (Da culpa que podemos reivindicar como nacional — nunca deixemos a «Europa» de fora disto.)
Como diz Rosa Mendes, «não haveria Passos Coelho sem Sócrates». Mas quem pode verdadeiramente negar que Passos Coelho seria o Sócrates da década anterior e Sócrates o Passos Coelho destes anos se a História lhes tivesse concedido vencer eleições em períodos diferentes? Quem pode jurar, sem hipocrisia ou cegueira, que distingue os Governos por muito mais do que o tempo e as circunstâncias em que lhes calhou governar?
Há decerto elementos no actual Governo que têm as melhores intenções, mas que liberdade lhes deixam ou que trabalho farão que não seja arruinado pelos colegas menos escrupulosos e mais oportunistas? (E mais poderosos.)
Um país não se devia governar, mesmo em tempos de crise, com sebastianistas, revolucionários, salvadores nomeados pelo Presidente ou pelas instituições (nacionais e estrangeiras). Mas também é certo que jamais se governará com a actual classe política.
A democracia ainda não foi destronada do pódio de melhor sistema de governo, e não me parece provado que a democracia representativa tenha os dias contados, que mereça ter os dias contados. Apenas precisa de outros representantes. Precisa de uma faxina.
O problema é que em Portugal é muito difícil formar partidos políticos. Não porque as leis e a burocracia sejam particularmente inexoráveis, mas porque um novo partido em Portugal é sempre considerado uma coisa excêntrica, terá previsivelmente um eleitorado da dimensão daquele que têm os partidos monotemáticos, de âmbito e programa circunscritos a uma ideia e um punhado de simpatizantes que se conhecem pessoalmente.
A vileza dos representantes em Portugal é pelo menos igualada pela estupidez dos representados. O eleitorado português é suficientemente perspicaz para reconhecer um cretino quando vê um — mas é também suficientemente estúpido, ou está suficientemente implicado, para votar de novo nele.
Parecemos condenados a concluir como Pedro Rosa Mendes concluiu o ensaio dele, utópica ou apocalipticamente: «Resta, pois, a rua, morada comum da raiva.» De facto, as possibilidades anteriores à rua, numa escalada de tomada de poder, parecem condenadas ao fracasso. Não se imagina que os independentes bem-intencionados dos anos recentes da política portuguesa possam formar um novo partido, mais sério e competente; não se imagina que esse partido fosse votado, caso pudesse formar-se; mas também não se imagina que os partidos actuais possam gerar anticorpos suficientemente poderosos para debelar a sua infecção interna. Será um problema de imaginação aquilo que nos aflige? Ou de coragem (de fazer e votar diferente)?

  
* Quem não conseguir comprar a Ler de Janeiro, pode encontrar aqui o ensaio de Pedro Rosa Mendes: http://www.mynetpress.com/mailsystem/noticia.asp?ref4=4%23k&ID=%7B05DAEA92-2ABB-42ED-89ED-7F3F0B378A5D%7D

4 comentários:

  1. a soluçao e' d caras: obrigar toda a gente a filiar-se num partido e a ter direito a voto nas materias.
    se ja e' obrigatorio ser cartao d eleitor...


    luis boticas

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  2. "Democracia" não é sinónimo de sufrágio universal ou existência de mais de um partido, tem que ser um conceito dinâmico em que os governados escolhem e fiscalizam os governantes de algum modo em que tudo funcione para o bem da população.
    A que temos não funciona, os Governos governam-se em primeiro lugar a si próprios, com total impunidade. A obrigatoriedade do défice zero, efectivas leis anti-corrupção, total transparência das contas dos partidos, são aperfeiçoamentos da democracia que nos recusamos a adoptar. É demasiado evidente que os líderes partidários servem em primeiro lugar quem financiou a sua ascensão partidária. E qualquer alteração a este estado de coisas terá de passar por eles, estamos completamente reféns.

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  3. «Um povo que tenha a coragem de ser pobre é um povo invencível»

    Curioso que num excelente documentário sobre a crise na Islândia, um islandês diz que nos últimos 300 anos tinham sido um povo de pescadores e que não era vergonha nenhuma voltarem a viver da pesca.

    Um país de Salazares nórdicos? Ou ainda é cedo para o senhor Mendes poder dispensar com 2 ou 3 rótulos primários o político que salvou o país de uma espiral bem mais deprimente do que a que vivemos hoje em dia?

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  4. "A democracia ainda não foi destronada do pódio de melhor sistema de governo, e não me parece provado que a democracia representativa tenha os dias contados, que mereça ter os dias contados. Apenas precisa de outros representantes. Precisa de uma faxina."

    Quem é que é sebastianista?

    "O eleitorado português é suficientemente perspicaz para reconhecer um cretino quando vê um — mas é também suficientemente estúpido, ou está suficientemente implicado, para votar de novo nele."

    Perspicaz? Tenho muitas dúvidas em relação ao primeiro adjectivo.

    "Será um problema de imaginação aquilo que nos aflige? Ou de coragem"

    O Salazar já lhe deu a resposta: «Um povo que tenha a coragem de ser pobre é um povo invencível»

    A questão agora prende-se com o facto de saber onde está o Povo e a que tipo de pobreza se refere o ditador.

    Abraço

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