Ainda assim, Helena encontrou o seu povo, não em Tróia como reza o mito, mas no eleitorado de Ventura, fazendo como tantos sociólogos e políticos (olhem, o próprio líder do Chega, por exemplo), que definem o grupo de estudo em função das suas interpretações.
Como qualquer cidadão português por estes dias, Helena de Esparta, estava munida de um cardápio de eleitores de Ventura e escolheu em função do seu paladar e das suas necessidades nutricionais. (Não se lhe pode censurar querer seguir a sua própria dieta, não é?) Escolheu as seguintes pessoas: «gente que vive com baixos rendimentos. Lêem poucos livros e certamente nenhum que tenha a ver com o fascismo.» Pessoas que sabem que a «noite é mesmo noite» e «isolamento é mesmo isolamento» «nesse país que fica longe». Pessoas que «não vêem as suas vidas nas notícias». Homens brancos sem curso universitário residentes em zonas rurais do midwest e estados interiores, crackers, rednecks e desempregados da rust belt… Esperem, não, isto é a interpretação de outras eleições, desculpem.
Helena não indica as suas fontes, não é fácil perceber onde encontrou os dados que lhe permitem sustentar a definição poética que encontrou, mas talvez se a pudéssemos dissecar (não podemos, moderem o entusiasmo) encontrássemos boas pistas dentro da sua própria cabeça. Percebemos, contudo, que Helena não procurou nas caixas de comentários da imprensa e nas redes sociais, onde tantos se anunciaram eleitores de Ventura. Ou, se o fez, investigou exaustivamente cada um deles e concluiu que não, aqueles não eram legítimos eleitores de Ventura. Ou se o eram, não foram votar, porque os 11,9 por cento de André Ventura nos cadernos eleitorais são pessoas de baixo rendimento esquecidas pela CMTV na noite e no isolamento. Sem acesso ao mundo moderno e à Internet, presume-se.
As suspeitas de que andavam eleitores de Ventura nas caixas de comentários do Observador e do Blasfémias — quiçá até no quadro de colaboradores de ambos os órgãos — são igualmente infundadas, garante Helena. Aquilo é gente demasiado urbana, formada, com leituras (não é nenhuma ralé, ia eu dizer). E alguns até leram livros que têm a ver com o fascismo. Estão portanto fora do belo quadro telúrico que mostra o eleitor-tipo venturesco segundo Helena.
Eu, que ao contrário de Helena, não vivo em Lisboa, mas em Trás-os-Montes, e frequento talvez mais um bocadinho do que ela o país que vive com baixos rendimentos e não vem nas notícias, julguei ter visto aqui alguns eleitores de Ventura diferentes, mas, como eram típica classe média com carro em primeira mão, avessos a impostos e declarações de rendimentos e razoavelmente xenófobos, devo ter-me enganado, claro. No país «invisível» de Helena não há disso.
https://blasfemias.net/2021/01/25/a-derrota-da-realidade-virtual/
P.S.: Numa coisa a Helena Matos tem indirectamente razão: é absurdo e contraproducente insistir que todo o eleitorado de Ventura é "fascista".
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