Uns vinte anos depois de ter pousado a viola-baixo, dei por mim na
última madrugada a assistir online a
lições sobre matérias prementes como walking
bass lines, slap e the secret triplet (admirável técnica),
ministradas por um tal Scott Devine. Não tenho qualquer intenção (ou
esperança?) de voltar a pegar na guitarra e as tarefas que nos próximos tempos me
esperam não convivem bem com este diletantismo fora de horas. Acresce que,
tirando certas facetas parvas do emprego, todas as tarefas que me esperam têm a
particularidade de serem prazerosas — ou necessárias, úteis e prazerosas — e envolvem livros.
Porquê então esta tendência para a perda de tempo? Racionalmente, não comungo
da definição de liberdade expressa no poema de Fernando Pessoa (Ai que prazer / não cumprir um dever.
/ Ter um livro para ler / e não o fazer! / Ler é maçada, /
estudar é nada. / O sol doira sem literatura.)
Emocionalmente, também não, já que o meu prazer mistura o sol, a brisa, o rio, a
bruma, danças, flores, música e luar (passo as crianças) com livros.
É isto uma manifestação de irreprimível curiosidade? De fome de
conhecimento? Ou uma forma velada de descer à franca humanidade dos que passam os
serões e as décadas vendo novelas, futebol ou reality shows como se não houvesse outro sentido para a vida?
Vou por esta prova de fraqueza, da minha iniludível pertença ao género
humano. Uma parte de mim também desiste a espaços perante o absurdo de uma
existência efémera. Para quê fazer um gesto que nada muda se podemos ficar
simplesmente à espera?
Ou talvez não, talvez isto seja apenas um problema de gestão da
curiosidade. Lembro-me agora que depois dos vídeos, já se descarregavam as hortaliças
no mercado, ainda fui perceber a razão por que o baixista Devine tocava com luvas. Distonia Focal, descobri, uma doença
neurológica que afecta um músculo ou conjuntos de músculos e causa espasmos
involuntários. O uso de luvas de seda (terapêutica chique, de ambivalente
delicadeza) altera a sensibilidade e engana os neurónios avariados, bloqueando as
contracções.
Descoberta útil, não? Não?
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