A propósito de uma sucessão de casos, ou antes, da cobertura jornalística
de casos de francos excessos nas praxes académicas, e em sequência de uma débil
pressão social ou de uma réstia de escrúpulos, algumas universidades lá assumiram
que lhes cabiam desempenhar um papel, não exactamente na formação de carácter
dos seus alunos (não exageremos), mas de moderação da selvajaria. Passaram a
existir regras um pouco mais restritivas para a praxe em alguns campus. Como em
certas cidades mais progressivas do farwest,
os alunos foram convidados a deixar as armas no portão. Se querem brincar aos
índios e cowboys, que o façam lá fora.
A academia nada tem contra os tiroteios e a caça ao escalpe — desde que essas românticas
actividades ocorram extramuros.
E também assim a academia volta as costas à comunidade, ao mesmo tempo
que renega as suas incumbências fingindo que a sua jurisdição sobre o estudante
é limitada pela vedação do campus.
Os grupos de praxe, aliás, parecem não caber no âmbito jurisdicional de
nenhuma instituição, civil ou uniformizada. Desde que notoriamente envolvidos —
quer como vítimas, quer como algozes — nessa fundamental ocupação dos vinte
anos que é a praxe, é-lhes passado um livre-trânsito, uma espécie de carta de
alforria para a ignomínia e o vandalismo, sem limitação de decibéis.
Se você, caro cidadão, dando-lhe
na veneta, resolvesse, como por aqui se faz, chafurdar ou fazer bodyboard na relva húmida de um parque até
transformar o círculo do seu enchafurdamento num lamaçal, ou arrancar, com
sequelas para o futuro botânico do sítio, qualquer vestígio de relva no
percurso do seu reiterado deslizamento, provavelmente teria um funcionário
municipal ou um agente da autoridade a censurar-lhe o comportamento (por mais genuinamente
divertido que você estivesse) e a sacar do bloco de multas para lhe pedir contas.
Tratando-se de grupos de praxe, as instituições do Estado quando muito abanam a
cabeça com aquela indulgência que se oferece às crianças e aos malucos da
terra.
Tempos houve em que as cidades médias viam no estudante universitário a
galinha-dos-ovos-de-ouro e temiam incomodar a debicante espécie com os seus
escrúpulos e as suas preocupações cívicas (se as tinham). Galinhas desta estirpe,
achava a mentalidade mercantil dos burgos, deviam ser deixadas a cacarejar estridentemente
antes de cada postura. A caca de galinha com que revestiam abundantemente as
calçadas da urbe não devia ser censurada, pois saía do mesmo sítio de onde
saíam os áureos ovos. A escatologia era
assim preocupação dominante nestas pequenas ou médias comunidades, quer na sua
acepção científica (relacionando a merda estudantil com a saúde económica do
condado), quer na sua dimensão filosófica (o fim dos universitários era o fim
do mundo).
Claro que da ignara e vil burguesia mercantil e das instituições dos
burgos, constituídas tantas vezes por meros perus emproados ou galináceos da
mesma cepa estudantil, não se esperariam conhecimentos zootécnicos. Era natural
que desconhecessem serem inúteis as asas das aves poedeiras e, por isso,
desadequado o temor melodramático quanto à fuga das galinhas. Seria talvez uma iconoclastia
humilhante e traumática alguém informar as comunidades que os Gallus gallus aureos, vulgo estudantes
universitários, arrendariam igualmente casas, se alimentariam quotidianamente e
quotidianamente apanhariam pifos mesmo que algumas regras da civitas lhes fossem impostas.
Nem sei se aquilo, aquela cretinice absoluta, o grau de zero da sombra de hipotéticos neurónios daquela dita gente, merece um texto destes, mas ei-lo. Idiotas sortudos.
ResponderEliminarTanta cera com tão fracos defuntos, não é?
ResponderEliminarO álibi era ter como alvos as reitorias, mas talvez nem essas saibam ler. Resta a verdadeira e eterna razão, tantas vezes posta: «por que escreve?»