Leio agora os jornais e os blogues e deparo aqui e ali com perfis
do Primeiro-Ministro, todos excessivos, todos errados. Estive poucas vezes perto
dele, mas em algumas estive suficientemente perto para notar como Passos Coelho
me faz lembrar o irmão de um amigo de há vinte anos: os mesmos olhos claros, os
mesmos somíticos lábios finos, as mesmas sobrancelhas em calimérico vê
invertido (já imortalizadas numa versão de célebre quadro piegas a pedir
intervenção especializada de Celina Giménez), o mesmo cabelo ternamente alourado,
à betinho, de minuciosa risca ao lado e com um corte que lhe deixa coberto o
arco (ou ogiva spockiana?) superior das orelhitas, o mesmo queixo proeminente, quase,
quase à Kirk Douglas, a mesma fotogenia de boneco de cera hollywoodesco — e o
mesmo vazio sideral entre as orelhas.
Como o irmão do meu amigo, Passos Coelho tem presença e vaidade,
faz-se notar e fala com voz segura, autorizada, mesmo quando diz alarvidades. Os
imprudentes e os deslumbrados rendiam-se ao halo do irmão do meu amigo — na
verdade um caixeiro-viajante ao serviço de uma multinacional do perfume ou da
aspirina. Vanglória ou placebos eram o seu negócio e ganhava bom dinheiro com
isso, o elegante pateta alegre.
No Governo, está de um lado o insustentável Relvas, com as suas
negociatas e representando certos interesses com rabo de fora; do outro, estão
os dogmáticos Gaspar e Santos Pereira, espécie de ultrazelosos marxistas do
capital prontos para irem ao fundo com a sua cartilha, que é, nos dias que
correm, tão útil como a carta de ligeiros para os submarinos de Portas; e no
meio está Passos Coelho, vendendo com os seus melhores colgate, gravata e
argumentário de literatura inclusa o que lhe impingem os outros três — sem
olhar às contra-indicações. Tal como o irmão do meu amigo, Passos Coelho é um bom
ventríloquo dos seus incumbentes — mas infelizmente a sua prosódia de papagaio
só é boa para ele e para os seus patrões, não para o país que num dia de humor delirante
o elegeu.
Bela análise. Acho que é capaz de ser isso.
ResponderEliminarO pior é se é mais que isso. Se isto tudo não é apenas incompetência mas pérfida intenção.
Sim, o homem acumula, pelo talento inato de estadista e pela doutrina de pacotilha que, quando jotinha e empresário de sucesso, engoliu com os cereais e o caviar.
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