Não se julgue, contudo, que ao SEC a arte
passa ao lado. Não. No último ano ele tem-se preocupado bastante com a área.
Sobretudo depois das cinco da tarde, depois de ter largado o serviço e as
mangas de alpaca. Quem o acusa de não ter obra devia ler a edição de 31 de Agosto do oficioso Correio da Manhã. Há
obra. Ela chama-se O Coleccionador de Erva
e foi prometida ao editor José Alberto Valente até 15 de Setembro, para ser apresentada
ao público em Novembro.
Talvez não fosse bem isto que os amantes das
artes esperavam, mas cada um faz o que pode. E Deus sabe como tem sido difícil
o ano para o SEC. Ponham-se no lugar dele. Um novo emprego, cheio de
responsabilidades, numa época terrível para o sector, um emprego que, agora
mais do que nunca, exigiu empenho, entrega, imaginação, criatividade, liderança,
visão. Um homem comum nestas circunstâncias chega a casa derreado, não consegue
pensar noutra coisa. Talvez beba um whisky
ou dois, mas de certeza que sonha à mesma com as mil e uma diligências que tem
de fazer no dia seguinte para salvar o barco, de certeza que ocupa a inescapável
insónia a cismar nos dramas que testemunhou ou nos projectos que tem em mãos.
Um homem comum nestas circunstâncias não conseguiria escrever uma linha depois
do emprego, se lograsse ter um «depois do emprego».
Mas o SEC não é um homem comum. O SEC é, antes
de mais, um Escritor. E não se pede a um Escritor que interrompa a prosápia
só porque mudou de emprego, só porque lhe confiaram mais responsabilidades, só porque tem uma pasta melindrosa nas mãos. Um Escritor escreve, é tudo o que ele faz.
E no entanto também o Escritor também se consome. Quando chega a casa também matuta bastante — na intriga do seu novo romance. Também se debate com dilemas morais — dos seus personagens. Tem remorsos — de ter morto o marido da protagonista ou o seu amante. E tem pudor, grande pudor, comovente pudor: evita chamar ao seu livro Crime No Estádio Em Que As Coisas Estão, por mais que fizesse sentido no conjunto da obra e por mais que ao inspector Jaime Ramos agradasse a ironia da coisa.
E no entanto também o Escritor também se consome. Quando chega a casa também matuta bastante — na intriga do seu novo romance. Também se debate com dilemas morais — dos seus personagens. Tem remorsos — de ter morto o marido da protagonista ou o seu amante. E tem pudor, grande pudor, comovente pudor: evita chamar ao seu livro Crime No Estádio Em Que As Coisas Estão, por mais que fizesse sentido no conjunto da obra e por mais que ao inspector Jaime Ramos agradasse a ironia da coisa.
***
O novo livro do Secretário de Estado da
Cultura será muito popular. E sê-lo-á por um golpe de génio. O volume estava
para se chamar apenas O Coleccionador,
mas um dos spin doctors do Governo
previu o escândalo, a inoportunidade da edição, e sugeriu que se acrescentasse erva à obra. A ideia era apaziguar a
esquerdalhada das artes dando-lhe algo com que se identificar. O problema vai
ser convencê-la a enrolar as páginas antes de as queimar.
tenho pena que o Francisco não tenha tido a decência de se ter demitido, já que faz parte de um governo que fez tudo ao contrário do que prometeu, à imagem do Sócrates, que tanto criticaram.
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