«Que parte não perceberam: não há dinheiro!» Esta é uma forma estúpida
de expressar as coisas, dotada do carisma e do potencial mobilizador de um
preguiça pendurado pelas unhas, mas é possível que esteja certa. As reivindicações
sectoriais, no seu egoísmo cego, conseguem aqui e ali um alívio para as suas
particulares dores (quanto mais acima estiverem na hierarquia do capitalismo
mais o conseguem), mas não resolverão nada de geral e fundamental.
Provavelmente a crise é de tal forma que não nos vai restar alternativa ao
empobrecimento e ao desemprego, ao desemprego desamparado. A distopia deixou de
ser um género literário ou cinematográfico para ser o degrau seguinte da
evolução. Talvez regressem a fome, a guerra, as deambulações fantasmais de
massas esfaimadas. O fluxo urbano será no futuro constituído por hordas cambaleantes
de novos caçadores-recolectores, antecedidas de breves incursões iradas de
gangues apocalípticos à procura do último supermercado, da última mercearia, da
última lata de conservas. Antes disso, um bife, quando aparecer, há-de novamente
ter de chegar para uma família, e a semana de trabalho, para os que o tiverem, deixará
de ser inglesa para ser neo-helénica (seis dias, não é?) e depois asiática (
full time). Regressaremos às hortas, à
pesca à linha, à economia baseada na troca de artigos, e um dia a população na
Terra começara finalmente, naturalmente, a regredir.
Talvez os crentes na austeridade estejam certos e não mais possa haver
classe média, assistência social, solidariedade de estado. Talvez seja até
justo irmos ao encontro do nosso lugar no Terceiro Mundo, o destino a cobrar-nos
a arrogância e o egoísmo de séculos, a cobrar-nos a imprevidência de cigarras patetas
e eleitores imbecis. Sim, talvez não haja alternativa ao castigo.
Mas em que momento começarão o Governo e os poderes na Europa a testar
outras vias? Em que momento concederão que por este caminho o desemprego não vai diminuir nunca? Quando estarão
dispostos a aceitar que, com o empobrecimento geral da sociedade, era natural, expectável, que houvesse um empobrecimento
proporcional dos ricos?
Que constatação determinista, fria, escolheram os líderes europeus: que
tem de haver pobres ou que tem de
haver ricos? Dito de outra maneira: para a gente que nos governa, a pobreza generalizada
é inevitável ou é a riqueza de uns poucos que é em qualquer circunstância
inegociável?
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