Às cinco e meia da tarde, na piscina, julguei por
momentos que o meu cérebro fora sequestrado pela silly season.
Tinha pago mais de cinco euros para ficar sentado numa cadeira de lona a sofrer
as sevícias de uma selecção musical idiota, com o volume regulado para surdos
profundos. Depois, ufa!, lembrei-me que podia abrir o livro ou ir nadar.
Experimentei nadar e deu resultado: debaixo de água quase não se ouve a música.
No entanto, esta solução revelou-se ineficaz a longo prazo — há limites para o
tempo que aguentamos sem respirar (se não estivermos assim tão
desesperados com a música). Agradeci sem sinceridade ao nadador-salvador por me
ter trazido à tona (eu estava assim tão desesperado) e, de
volta à cadeira, abri o livro. Iniciou-se de imediato o processo de
teletransporte dali para fora. Devia ter optado desde logo pela tecnologia
Gutenberg.
2. Efectivamente, escuto as conversas
Na esplanada do restaurante ouvia-se à noite música de
altifalantes. O largo da terra era ali ao lado e este era o fim-de-semana da
festa. (O meu cérebro tinha sido sequestrado pela silly
season, caso contrário o que fazia ali eu?) De qualquer modo, o conjunto
ainda não tinha começado a tocar, pelo que as lesões nos tímpanos eram para já
reversíveis. Se eu saísse antes das 23h00 as coisas não iam de certeza piorar.
Mas pioraram. Pode haver coisas piores do que
altifalantes roufenhos a debitar hits pimba. Como por exemplo
sentar-se na mesa ao lado da nossa um par de machos lusitanos ébrios de 4x4 e de
uma meia dúzia de cervejas bebidas no fim de uma tarde a rolar no monte.
Ao lado da sua irrequietude envolta em t-shirts com
logótipo e do seu vozear de gorila na tundra (talvez a imagem certa seja
chimpanzés com voz de hienas), as músicas do grupo Chave D’Ouro que se ouviam
antes pareciam suites de Bach para
violoncelo.
Não havia uma piscina por perto para onde me pudesse
atirar (com a base de cimento do guarda-sol amarrada ao pescoço) e em vez de um
livro tinha trazido o Expresso. (Céus, o Expresso!) Estava portanto dependente da
velocidade da cozinha e da velocidade das minhas mandíbulas. O chef não
colaborou (as mandíbulas sim, quando finalmente lhes foi dada a oportunidade),
pelo que tive de suportar a minha meia hora de calvário ouvindo as
conversas da mesa ao lado. Nada a que não esteja habituado. Quer porque apenas
posso frequentar restaurantes populares (troika obligé), onde as
conversas são geralmente mantidas aos berros de licitadores num leilão de
porcos, quer porque tenho o vício estúpido de recolher matéria para livros que
ninguém quer editar, provavelmente ninguém quer ler, e eu decerto não sei escrever.
Ninguém quer editar, ninguém quer ler e você também não sabe escrever: só desgraças.
ResponderEliminarMas, enfim, no meio disso tudo, pelo menos vai tentando pelo que nós, aqui deste lado, vamos aproveitando e agradecendo o seu esforço.
O agradecido sou eu.
ResponderEliminarhá muito que um livro não me consegue teletransportar tão acima de tantos decibéis... e o que eu tenho tentado! ;)
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