No mundo da minha infância, o dia de Natal e o dia de Ano Novo eram ocasiões em que quem podia estreava e ostentava roupa nova. Na missa do meio-dia ou na passerelle pós-prandial — que consistia muitas vezes numa visita às brasas que restavam do madeiro no largo da terra, a friccionar as mãos e a bater no chão os pés para os aquecer porque ainda não havia Primavera no solstício de Dezembro — ficava-se a saber quem tinha recebido do Menino Jesus ou podido comprar por si mesmo uma camisola nova, umas calças da moda, um invejável casaco de Inverno, umas luvas para esfregar à fogueira e na cara dos que as não tinham ou uns sapatos que se tentava por todos os meios discretos exibir e em simultâneo furtar às pisadelas enfarruscadas dos ressentidos.
Por vezes, não havendo mais o que fazer, os casais ou as famílias davam passeios nas redondezas, e aí as roupas estreadas ou o calçado novo revelavam-se inadequados, porque os caminhos eram de má calçada ou de lama, em geral até acumulavam, e o sapatinho escorregava ou afundava-se e a perna da calça atrás ficava a assemelhar-se a guarda-lamas de motorizada em fim de viagem. O figurino de Natal ou Ano Novo, em suma, era apropriado para a nave da Igreja, mas não tanto para o adro.
Hoje, saindo para correr na hora em que as famílias digeriam ao sol o almoço, vi muita gente a passear de fato de treino e pensei como são práticos, informais e confortáveis os tempos agora, ainda que menos estéticos. Depois reparei num padrão dominante, a cor grey melange, e no aspecto imaculado dos fatos de treino. Quando me pareceu adivinhar o fio de plástico de uma etiqueta ainda pendurado nas calças cardadas de alguém, suspeitei de que afinal não se perdeu o hábito de estrear roupa no dia de Ano Novo, apenas mudou a moda.
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