Quando convidado para uma viagem de helicóptero na adolescência, só no último instante, depois de todos os outros compinchas, correu para o aparelho, quase tendo de subir para ele em voo, como nos filmes de acção. Anos mais tarde, a viagem era de carro para o concerto de David Bowie em Alvalade e esteve também para a perder, pela mesma irresolução. Em vários momentos chave da vida sobreveio-lhe a irresolução, e quase sempre encenou uma fuga para a frente no último instante. A biografia oficial declara-o feliz por ter acabado por se decidir em relação a alguns desses momentos, embora a memória específica das experiências se tenha perdido no mito sobre elas construído. Outras alturas houve em que ter-se decidido pelo risco ou pela aventura ou pelo mero desafio — ter-se decidido, enfim — só lhe trouxe coisas que não queria.
Talvez se tivesse perdido aquele helicóptero hoje fosse outra pessoa, lendariamente arrependido por não ter voado mas no íntimo satisfeito com a sua verdadeira natureza de espectador em vez de actor.
Diz-se que um escritor tem de viver para poder escrever, mas ninguém diz — e importa suspeitar que a verdade é esta — que para viver basta ser leitor.
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