sábado, 10 de abril de 2021

Homem versus máquina

Há dias disse aqui que um martelo pneumático que cumprisse determinadas condições podia subtrair-se ao estereótipo de máquina diabolicamente irritante e tornar-se capaz de embalar o trabalho de um escritor. Hoje um indivíduo no mesmo apartamento em obras, talvez para provar que a humanidade ainda suplanta as máquinas mesmo em tarefas sumamente rebarbativas e enervantes — e decerto para me interromper o labor literário —, pôs-se à varanda durante dez longos e penosos minutos, qual muezim electromecânico, a debitar para o seu telemóvel uma lengalenga obstinada de empreiteiro, com o timbre, o volume, a insistência e a circularidade, não de um martelo pneumático, mas de uma daquelas máquinas vibratórias que se usam para compactar estradas pavimentadas a paralelepípedos. Quando achei que, finalmente, estava concluída a arenga daquele altifalante reencarnado em empreiteiro (e bem assente a calçada de granito com que me recobriu o cérebro), os meus nervos foram de novo postos à prova com um aditamento. Suponho que lhe faltava berrar a inevitável relação de trabalhos a mais.

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