Aquilo a que por estes dias se chama «cultura» tem tantas facetas, abrange sectores e géneros tão variados, grupos artísticos e sociais tão distintos, classes profissionais tão diversas, escolas de gosto, tribos e gerações tão irreconciliáveis, é um tal saco de gatos, em suma, que fazer um festival «de música» para ajudar só podia espoletar mal-entendidos e controvérsia, gerar invejas e ódio, como de resto sempre geraram todos os programas de apoio às artes, da Grécia ao Covid-19, passando por Florença.
Talvez, por isso, como alguém já disse, «a resposta para a dificuldade dos trabalhadores desta área» (como para a dos taxistas, por exemplo) «tem de vir da Segurança Social e não do Ministério da Cultura», que só por equívoco semântico tem sede no Palácio da Ajuda.
Já a resposta para a «cultura» propriamente dita, em tempos de pandemónio ou não, tem de vir da sociedade civil. Uma coisa é a sobrevivência física ou digna de pessoas, outra é a sobrevivência das artes que elas praticam. E as artes só sobrevivem se a sociedade civil as procurar, as frequentar, as reclamar — e aceitar pagar por elas, directamente ou via impostos (a forma moderna de mecenato). Mais do que sermos entretidos em casa (quem é que raios na civilização ocidental não se preveniu com livros para um tempo assim!?), do que precisamos agora é de planear um futuro onde a Segurança Social ainda existe e não abandona ninguém e o Ministério da Cultura é relevante na sociedade que teremos então. A quarentena como revolução silenciosa; da pandemia à utopia, enfim.
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