Há qualquer coisa que me encanta nos poemas de JCB e pergunto-me quanto
disso é a sua revisitação de Trás-os-Montes, uma revisitação de quem não vive em Trás-os-Montes. Tive idêntico
sentimento quando li Ernestina, de J. Rentes de Carvalho. Na altura escrevi que às vezes a literatura pode passar por
uma região sem se atolar nela. Esta afirmação tinha implícito um desdém pela
literatura transmontana, que na minha presumida opinião vivia atascada na lama
patrícia, mesmo nos escassos momentos em que parecia querer sobressair.
É tristemente redutor que uma obra literária seja abordada pelo barro
que utiliza, mas por vezes pergunto-me, com injustiça, se não é isso que alguns
leitores e comentadores fazem, mais fascinados pelo exotismo regional ou epocal
do que pelos méritos da prosa. Não raro leio José Carlos Barros com um fascínio
não sei se inverso se análogo: o fascínio de quem nunca tendo vivido fora de
Trás-os-Montes identifica a região que ele evoca como se sempre a tivesse visto
pelas mesmas lentes focadas a partir do Algarve.
Rui Catalão, crítico do Público,
tem revelado o seu particular fascínio transmontano. Creio que ainda nenhum outro
crítico falou dos livros de Manuel António Araújo, escritor de Chaves, mas pode
ter sido distracção minha. Catalão não parece ter chegado aos dois livros que
recenseou daquele autor pela sua proveniência regional, e o exotismo que o
atrai talvez não seja geográfico, mas o do próprio universo literário dos textos.
Contudo, há algo de profundamente transmontano em mim quando me descubro a ler
as recensões com a complacência que os caseiros dedicavam aos senhoritos de
visita às propriedades nas berças.
Trás-os-Montes é o título do
livro vencedor do Prémio Agustina Bessa-Luís. Tiago Patrício, o seu autor, é
madeirense de nascimento mas viveu aqui até aos 19 anos. Revelou ter resistido
até ao fim a escolher aquele título porque «não queria denunciar o sítio do
romance», mas o júri tomou em consideração «as qualidades de escrita reportadas
à dureza de um universo infantil numa aldeia de Trás-os-Montes».
Durante um ano ou dois convivi nas páginas do Semanário Transmontano com Manuel António Araújo, mas ainda não li
os seus livros. O que temerei? A enésima repetição da «dureza» da vida em
Trás-os-Montes que tanto fascina as novas gerações literatas urbanas? Ou
descobrir finalmente que um conterrâneo não precisa de ir viver fora para
escrever bons livros? No primeiro caso, é talvez preconceito da minha parte. No
segundo, é preconceito e inveja.
Sem comentários:
Enviar um comentário