Tocar coisas inadequadas não era uma obsessão, um capricho, mas acontecia-nos.
Num bar minhoto chamado O Comboio, onde
as pessoas se sentavam em reservados, como nas lanchonetes americanas ou no Alfa Pendular, teimámos
durante uns quarenta e cinco minutos em apresentar as nossas versões de standards jazz e folk americanos, para
tédio geral. Pouco antes do intervalo, demos finalmente alegria à terra quando ao
guitarrista lhe ocorreu dedilhar o nome do bar numa alusão pimba (apita o comboio, estão de certeza a ouvir a cena). Era uma
ironia, uma piada, mas os clientes adormecidos levaram a coisa a sério:
levantaram-se e dançaram, como mortos obedecendo a, digamos, Emanuel (não o Messias). Perante aquilo, o resto
da banda teve de acompanhar uma extended
version do tema. A segunda parte, se recordo bem (e espero que sim, que o
passado se vergue aos interesses da minha memória), preenchemo-la com
improvisos minimais repetitivos de Roadhouse
Blues — foi a nossa vingança.
No comício, não posso jurar que tenhamos tocado depois de Assis falar,
mas o longo discurso da figura empatou-nos de qualquer maneira, ficámos
pendentes do seu término, ou para finalmente passarmos vergonha em palco quando já nos tinha passado a bebedeira ou
para desmontarmos a aparelhagem. E como ele falou. Não as horas ininterruptas de
Castro, mas ainda assim mais do que era humanamente suportável. Desconfio que a
maioria dos que assistiram ao comício correu no domingo seguinte a votar no
adversário do candidato que ele defendia.
Não é que não acerte — não há muito para discordar no seu artigo de
hoje no Público, era este o meu ponto —, mas um tipo arrepia-se
só de lhe ouvir o timbre. Para o ler é preciso tapar-lhe a cara e o nome com o
polegar. Viram alguém a segurar o jornal assim? Era eu.
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