quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Álcool a mais

São três, duas delas de mini-saia, todas de tacões. Madrugada. Cambaleiam um pouco e gritam muito: estão eufóricas, é assim que se exprime o sentimento, tanto quanto sabem. Por vezes ensaiam coros, mas, porque lhes falta o talento ou sobra o álcool, não chegam a dar-lhes corpo, não chegam sequer a decidir-se por hinos desportivos ou canções da moda. Enquanto atravessam a estrada, partem nos paralelos os seus copos ou as suas garrafas de cerveja, como vêem fazer aos rapazes noutras noites. Congratulam-se ruidosamente pelo feito, como se tivessem superado uma prova, acertado num alvo difícil, embora aquilo não lhes tivesse exigido qualquer perícia ou cálculo. Não precisam de méritos ou motivos para celebrar, celebram, é tudo. Do outro lado da estrada há carros parados. Uma delas faz um desvio e, puxando a saia, experimenta levantar a perna, acertar com o tacão num farolim. A gravidade e o chão irrequieto não ajudam. Desiste à terceira tentativa, antes de cair. Contorna então o veículo e, ameaçadora, ataca o espelho lateral com mão bamba. A menos cambaleante das três espreita por cima do ombro e diz «chega» e repete a voz de comando, mas não arrisca desacertar o passo. A primeira insiste, tenta um novo golpe, mas sai-lhe outro safanão frouxo, dos que se dão com piedade a um gato arisco ou a um bebé caprichoso. Talvez receie magoar-se ou a capacidade para golpes firmes já não se lhe equipare à vontade de os aplicar. Urra agora de frustração e depois levanta o queixo, com desdém. Que se foda. Considera-se à mesma vitoriosa, aprendeu que o pode fazer mesmo que não vença nada. Junta-se por fim às outras duas num novo cambalear rua abaixo. O espelho sobrevive.

Se confrontado de manhã com a ameaça a que esteve sujeita a sua propriedade, o dono do automóvel por certo hesitaria entre verberar a bebedeira das raparigas e agradecer a bebedeira das raparigas. Afinal: ia tendo prejuízo devido a álcool a mais ou álcool a mais fora a sua sorte? 

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