domingo, 19 de junho de 2022

Entrevista com o vampiro

Mesmo que, na corrida por um lugar no Inferno, os Estados Unidos fossem à frente da Rússia, o regime de Putin, todos hão-de reconhecer, continuaria a ser candidato a um lugar no pódio, pelo que custa ver a forma obsequiosa como Oliver Stone entrevista o novo czar. Não é a cortesia e a hipocrisia diplomática a que os jornalistas por vezes se vêem obrigados se aceitam falar com alguém não recomendável; é uma cegueira e um fascínio que dão vergonha alheia. Putin é adversário dos EUA e isso para Stone é música celestial — e o interlocutor o anjo que a executa. (É certo que a entrevista foi feita há anos, mas mesmo então só um marciano confundiria Putin com um querubim.)
 
Na entrevista, que vou vendo aos pedaços com curiosidade histórica e certa morbidez, Oliver Stone tem longos momentos em que na verdade não entrevista Putin. Não falo das partes em que lhe serve de pé de microfone ou de marcador para realçar as deixas, mas dos momentos em que, sem olhar o entrevistado, faz as perguntas ao intérprete, referindo-se a Putin na terceira pessoa, como se mantivesse com o intérprete uma conversa de inconfidências. Mas nem assim, com esse filtro, com essa forma indirecta, diferida e patética de falar como se o czar não estivesse presente, como se falasse nas costas dele, nem assim Stone é capaz de fazer perguntas verdadeiramente embaraçosas. Não se lhe pedia que o fizesse pelo prazer de embaraçar, mas por sentir uma curiosidade mínima pela verdade.

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