sexta-feira, 24 de junho de 2022

«Demasiado ocupados para embarcar nas artes da fruição»

No trecho que transcreverei abaixo, poderão ler Mark Fisher (em 2014, creio) a constatar como a tecnologia comunicacional do século XXI comprometeu as artes da fruição. Reparem que Fisher falava de música e de dança em discotecas — imaginem o quão comprometida está a fruição de outras artes. Hoje ninguém senão Fisher ou os semelhantes que lhe sobreviveram (alguns dos quais são leitores redundantes ou autores igualmente improfícuos de posts como este) sequer percepciona como negativas as «exigências incessantes das comunicações digitais».

«Demasiado ocupados para embarcar nas artes da fruição» é portanto um bom epitáfio colectivo. A colocar na vala comum desta era.

Aqui fica a citação:
«Há que lembrar que, segundo Berardi, estamos tão assoberbados com as exigências incessantes das comunicações digitais que nos sentimos demasiado ocupados para embarcar nas artes da fruição — as excitações têm de vir de modo hiperbólico, sem chatices, para que possamos voltar rapidamente a ver o e-mail ou as actualizações nas nossas redes sociais. As observações de Berardi podem oferecer-nos uma perspectiva das pressões a que tem sido sujeita a música de dança na última década. Ao passo que a tecnologia digital dos anos 80 e 90 alimentou a expectativa colectiva da pista de dança, a tecnologia comunicacional do século XXI comprometeu-a, conseguindo até pôr os frequentadores de discotecas a verificar os seus smartphones. (“Telephone”, de Beyoncé e Lady gaga — que coloca as duas a implorar a alguém que está a ligar que pare de as chatear para que possam dançar —, parece agora uma derradeira tentativa falhada de manter a pista de dança a salvo da intrusão comunicacional.»*

* Fantasmas da Minha Vida, 2020, pp.265 e 266, VS Editor, tradução de Vasco Gato.

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