quinta-feira, 11 de junho de 2020

Os tiques de Nadal

Se os comentadores de ténis — em momentos de tédio do jogo ou porque a crónica de costumes os estimula mais do que as incumbências do ofício — podem fazer digressões sobre a vida social e privada dos tenistas, talvez um comentador de sofá como eu, ainda que de tarimba recente (passe o oxímoro), possa falar sobre os tiques e idiossincrasias de Nadal.
Já antes tinha mencionado a tara entretanto resolvida do tenista espanhol por calções compridos, mas também reparei, nisto sem a ajuda dos comentadores, que no court Rafael prefere amiúde camisolas sem mangas — o que o poupa ao esforço permanente de puxar com dois dedos pela costura as mangas para os ombros, como fazem outros tenistas menos inteligentes a gerir as disponibilidades energéticas e como fazemos todos em dias de calor tão insuportável que já nem nos preocupa a imitação de gigolô. Do mesmo modo, decerto por iguais razões de leveza e liberdade de movimentos, Nadal opta sempre, aqui sem concessões, por t-shirts sem golas — ao contrário de Federer, que, com o seu belo corte de cabelo, o seu ar beatífico, as combinações de cores janotas e os seus pólos, não raro parece um beto que por distracção ou exibicionismo invadiu o ringue.
Mas as idiossincrasias de Nadal que mais perturbam — os tiques físicos — propõem sérias análises psicológicas e comoventes preocupações humanas, de resto já desenvolvidas na Internet por sociólogos e psicólogos, críticos da forma como foram geridas a formação e a carreira de Rafa e voluntários latentes para uma operação clandestina de resgate do tenista.
A lista de curiosidades comportamentais de Nadal, que eu notasse, inclui o alinhamento rigoroso das garrafas de água no chão em frente ao banco, a frequente «puxada» ou «ajeitada na cueca» (para utilizar jargão técnico brasileiro) e uma espécie de sinal da cruz de autor mas igualmente mecânico que o tenista faz sempre antes de servir, como carrasco que se benze antes de brandir o machado (a imagem não é desajustada, se lhe conhecermos o cadastro desportivo).
Meros rituais de concentração? Tiques nervosos? Transtorno obsessivo-compulsivo? Síndroma de Tourette? (Não esquecer os vocalises com que Rafa acompanha as pancadas, sons que parecem adicionar aos tiques físicos a condição vocal insuficiente mas necessária para este último diagnóstico.)
Se os tiques de Nadal forem apenas rituais, talvez outros desportistas menos bem sucedidos, que se benzem ao entrar em campo com arabescos convencionais e maçadores, possam inspirar-se neste recordista para desenvolver gesticulação anímica personalizada e original, tornando assim os canais Eurosport em repositórios de silly walks & gestures, numa justa homenagem à equipa que melhor entendeu o desporto e a vida.
Tratando-se, pelo contrário, de sintomas de perturbação mental, bem, não temos de nos preocupar: o rapaz já juntou dinheiro suficiente para a medicação. E é bonito ver que o ténis não discrimina, integra. Mesmo que muitos adversários certamente preferissem que pelo menos neste caso a modalidade mantivesse uma tradição mais segregadora.

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