1.
São meia dúzia em volta da mesa de pedra junto ao rio. Geralmente a
mesa é usada, em tardes de furo ou gazeta escolar, para umas festas de álcool, para
enrolar e partilhar uns charros. Os grupos exclusivamente femininos são talvez
menos frequentes, mas lá está a atitude semiclandestina, lá estão os risinhos langorosos
e cúmplices, os corpos dobrados em tenda conspirativa sobre o centro da mesa. E
no entanto, quando se abre um pouco a corola de adolescentes primaveris, o que
aparece a ser transaccionado ali no meio é um banal frasco de verniz de unhas,
como num cliché da Ragazza.
2.
O rapaz vem de praticar desporto, calções, t-shirt suada, cabelos molhados, sweatshirt atirada sobre um ombro. As três raparigas aproximam-se
entre embaraçadas e conspirativas, com segredinhos e empurrando-se umas às
outras. Cortejam-no. De saia ou vestidos coquetes, alguma pintura no rosto,
parecem saídas da mesma edição da Ragazza
atrás referida. Ou de um quadro mais antigo, de um que tenha fixado a óleo uma
tarde bucólica no parque. Porém a oralidade trá-las de volta ao futuro. Tendo
talvez sido contrariada, uma delas abandona a discrição, a corte vintage, e dispara à colega um sonoro «vai-te
foder, caralho», que o rio devolve em eco. O rapaz não parece sentir que se
tenha desfeito o encanto, continua a atrasar o passo e a controlar a distância e
os risinhos pelo canto do olho.
3.
Pequeno gangue, vêm subindo a rua. Cortes de cabelo, roupas, calçado,
balanço do corpo, tudo de acordo com o modelo rebelde sem causa, vulgo
arruaceiro. Param de súbito a conversar animadamente, ruidosamente, belicamente,
ocupando metade da via de trânsito e todo o passeio. Os carros ultrapassam-nos
em pequeno e conformado slalom. Os
peões contornam-nos por fora, como vítimas de bullying fugindo à palmada nas costas. A descer a rua, avanço a direito
com a inércia e uma vaga intenção de reivindicar o meu direito a um vector no
passeio. Estendo o braço para abrir alas e o distraído rapaz à minha frente estremece
de susto, como se acabasse de ser abordado por um assaltante. Desvia-se,
cordial, e eu continuo caminho, a rir-me do ridículo. Do meu ridículo.
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