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Escrevi anteontem para uma apresentação de Os Idiotas em Vila Pouca de Aguiar um texto a que chamei erradamente “Regresso a casa”. Erradamente porque para regressar a casa tinha na verdade de recuar 25 anos e não dez, 33 quilómetros e não 27. Não li o texto, mas insisti nos equívocos passando uma boa parte do tempo a falar do livro errado, do Hotel do Norte. Talvez seja da época, do toque de recolher à família que se ouve entre os jingles do comércio natalício. Por isso, ou por outras razões igualmente (con)sanguíneas, devo ter achado que esta era a altura de apresentar a minha obra sobre as Pedras Salgadas e não a minha obra sobre Portugal.
E assim não hesitei em alimentar mais equívocos, reduzindo ambos os livros
(como voltei agora a fazer) a meros postais ou crónicas de territórios delimitados,
regiões demarcadas do autor. A catalã residente no Alentejo Natàlia Tost a
pretender que Os Idiotas se traduza
para outras línguas, e eu a confundir a minha cartografia mental com a minha
cartografia geográfica.
Parece-me que não há mal nenhum em publicar crónicas territoriais ou de
época, mas devia ter-me lembrado que não escrevi monografias. Suponho que, por
exemplo, o livro de Bruno Vieira Amaral As
primeiras coisas não é bom por ser um levantamento sociológico de um bairro,
mas por ter criado o Bairro Amélia a
partir de matéria humana não exactamente circunscrita. Analogamente, o Hotel do Norte nunca existiu senão na minha imaginação (alimentada,
naturalmente, de memórias, experiências, testemunhos, mas também da filmografia
e da biblioteca eclécticas que fui instalando nas dobras do meu cérebro — e
mais fundo, nos interstícios da alma, considerando a eventualidade de ter uma).
Não precisavam de ter demolido o verdadeiro Hotel do Norte, como
fizeram, para que eu pudesse defender que ele é a minha fantasia. Um escritor
não precisa de álibi nem de apagar impressões digitais, ou de fazer desaparecer
provas, para cometer os seus crimes literários. O edifício podia permanecer que
o livro continuaria a existir numa realidade alternativa e com fundações mais
devedoras à mecânica quântica do que à velhinha, previsível e mensurável física
de engenheiros civis, arquitectos e pedreiros.
Uma escrita debaixo da pele e com raposas por perto, vigiando atentas e cúmplices.
ResponderEliminarUm bom Natal com muitas recordações dentro.
Obrigado. Bom Natal Para Um Jeito Manso também.
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