Com uma infinidade de “talentos” pululando por aí, torna-se difícil
definir (e comunicar) o que há de especial num talento, por que devemos admirá-lo,
que proveito há (para nós e para a comunidade) em nos submetermos ao dom dos
outros. A criatividade tornou-se um assunto relativizável, do âmbito da
democracia e do gosto ou opinião maioritários. A qualidade do que se produz é,
pois, afectada por este ambiente.
Nas escolas, os miúdos quase deixaram de ser instigados a descobrir a
beleza que outros produziram ou produzem. A palavra de ordem é fazer de cada
aluno um artista e colocá-lo, literalmente, no palco que supostamente lhe
pertence, com cumplicidade e gáudio das famílias. O défice de público em
Portugal, com causas anteriores talvez na falta de instrução e na baixa
condição económica da comunidade, continuou o seu caminho por aqui. Só a ignorância
ou a fé cega podem convencer alguém de que, de tanto frequentarem o palco, as
crianças vão gostar de estar na plateia.
Compreendo que para a esquerda (bem, para alguma esquerda) seja difícil
aceitar a autoridade, defender a atitude passiva, mas é imperativo ultrapassar
o trauma, porque a arte o exige. Não há arte onde todos cantam e ninguém ouve.
Não há arte onde todos escrevem e ninguém lê. O que o mundo contemporâneo
precisa urgentemente é que se formem leitores e espectadores exigentes, não multidões
de “criativos” medíocres e inúteis. As escolas têm de começar a ensinar que os
gostos se discutem, ainda que não se imponham; têm de começar a ensinar a
ouvir, a ler e a compreender, a ver, a decifrar, a reter informação e a criticar
com base no cruzamento de dados e experiências.
É pateticamente comum em Portugal haver “pintores” que não frequentam museus,
galerias ou livros de arte; “escritores” que não leram nem tencionam ler; “músicos”
que não assistem a concertos a não ser os da moda (por razões sociais e não
artísticas); “actores” (e “encenadores”) que não vão ao teatro. A lista continua,
mas pode-se resumir: Portugal é um autodidacta fechado à História e ao mundo —
ninguém pode esperar dele grandes feitos.
A necessidade de formar público para as artes não tem, por isso, que
ver com o interesse dos artistas, mas com o interesse da sociedade e de cada
pessoa em particular. Um público instruído, curioso, crítico, participativo e exigente
eleva o nível da criatividade nacional, com óbvio proveito para si próprio — e com
possibilidades de osmose em relação a outras áreas, como a política e a
economia. Na ausência de riquezas como petróleo ou diamantes, ou de uma providencial
(e improvável) indústria, um país não pode esperar desenvolver-se com massas
impreparadas e estupidamente convencidas de talentos que não têm.
A Secretaria de Estado da Cultura e o Ministério da Educação, se querem fazer alguma coisa, podem
começar por desfazer este equívoco.
ESTUPENDO!
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