sábado, 30 de julho de 2022

Duas no cravo. Ou na ferradura.

Eu sei que hoje, ao contrário do que aconteceu no resto da História, os leitores preferem que os escritores e os intelectuais se mantenham longe da política. Eu próprio, que não sou um intelectual e talvez nem sequer escritor, perco simpatias de cada vez que molho a pena nas tintas da guerra. É melhor ser poético ou irónico; distante, em todo o caso. Escrever sobre estados de alma ou pores-do-sol; sobre leituras serenas ou quadros bucólicos do quotidiano; fazer piadinhas. Mas o velho editorialista que há em mim não morreu e de vez em quando pede a palavra. Concedi-lhe dois parágrafos.

1. A invasão do Iraque pelos Estados Unidos, além de uma tragédia assente em mentiras, foi o maior erro estratégico do Ocidente no século XXI. Num momento de boa vontade mundial, depois dos atentados de 2001, em que os EUA poderiam ter aproveitado para purgar a alma e a sua história de manipulação e cinismo, fazem exactamente o oposto, ou seja, o mesmo de sempre, mas a uma escala maior. Associando-se àquela cruzada idiota e obscena, uma parte do Ocidente, ao arrepio da opinião pública, comprometeu a credibilidade das democracias em geral. Bush, Blair, Aznar e Barroso, e todos os que tiveram responsabilidades na farsa, deveriam ter sido julgados. Ainda o poderiam ser.

2. A história sanguinária de Putin começa em 2000 (está documentada na própria imprensa russa) e ao fim de vinte e dois anos ele enceta um movimento de sinal e magnitude pelo menos semelhantes aos de Bush. E contudo os comunistas do mundo — que são em geral boas pessoas, bem-intencionadas, e estiveram na primeira linha das manifestações de 2003 — resolvem desta vez contemporizar. Não é que sejam favoráveis às atrocidades de Putin — é, suspeito, que encaram a ideologia como uma religião e a Rússia como o seu santuário. Nada que vem da pátria ou da casa de Deus é mau: quando muito, é incompreensível para o entendimento humano. Foram necessárias décadas para que muitos intelectuais e plebeus se desvinculassem do mau comunismo soviético e da sua pátria terrena. Alguns nunca o fizeram. Não podem por isso ser acusados de cederem à mística de Putin (não lhes façam essa injustiça), mas de permanecerem devotos a um paraíso artificial, embriagados sem causa. Ou casa.

2 comentários:

  1. Desista, a análise política n é o seu forte!
    Com todo o respeito: tome juízo!
    A.M.

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    1. Não é o meu forte porque não lhe agrada, não é? De outra maneira, porque diria a um interlocutor que «tome juízo»? É essa a sua ideia de argumentação? E, já agora, porque não assina?

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