Quando hoje penso em problemas de expressão já não é o romance, abordado no post anterior, que me ocupa a mente, mas por exemplo a dança contemporânea, que representa um problema, se quisermos, já não tanto de semântica mas de evolução de um género artístico. No binómio «dança contemporânea», o significado de dança é alterado ou matizado pelo adjectivo que lhe sucede, mas de uma maneira que uma parte das pessoas, os leigos, não capta na sua totalidade.
«Contemporânea» não é apenas uma referência epocal, denota uma abertura de sentido e de propósito, uma complexificação da expressividade. Designa uma peça híbrida, herdeira do espírito experimental e disruptivo do modernismo. Os praticantes ou conhecedores do género estão totalmente conscientes do desconcerto ou da singularidade da dança contemporânea, assimilaram a linguagem artística. Mas o meio artístico não fez acompanhar a evolução da disciplina de uma evolução da designação e, por isso, quando se procura captar novos públicos, num país com uma tradição alheia ao ensino artístico, não deveria admirar que, de todos os significados que o Priberam dá para dança, algumas pessoas escolham o oitavo, «trapalhada», para referir a singular dança que se põe em palco.
A designação é tanto mais causa de equívocos quanto a dança contemporânea, na verdade, segue várias tendências e se apresenta mais ou menos dançada, mais ou menos teatral ou performática (outro termo bicudo), mais ou menos tendente para a plasticidade estática da pintura ou da escultura, com maior ou menor influência do ballet e de outras danças como as africanas ou o japonês butô, incorporando ou não a tentação acrobática do circo e da ginástica, com maior ou menor contaminação de expressões coevas como a street dance, o hip hop ou até da estética pop da MTV.
Percebe-se que, perante esta diversidade, seja mais confortável entender que dança contemporânea é simplesmente a dança que se faz hoje e deixar que resida no conhecimento que se tem do coreógrafo ou da companhia e da sua linguagem a elucidação do tipo de espectáculo que se pode ver. O que implica uma curiosidade, digamos, activa, cumulativa e perseverante por parte do espectador.
Se considerarmos a influência determinante da coreógrafa Pina Bausch, talvez pudéssemos retirar do nome da sua companhia, herdeiro da dança expressionista alemã do início do século XX, uma primeira sugestão de nome para uma parte da dança que se faz hoje, de resto frequentemente usado na Europa. Tanztheater, ainda que insuficiente, parece bastante adequado para uma boa parte dos casos. Mas a sonoridade de uma eventual tradução portuguesa não é a mais atraente, a língua não parece talhada como a alemã para criar palavras-conceito, e a eufonia de balleteatro, como na companhia do Porto, pode para muitos insinuar um lado demasiado clássico da dança.
Contudo, talvez o caminho passe menos por inventar um termo designativo, que será sempre insuficientemente abrangente, do que por ensinar às próximas gerações, de um ponto de vista histórico e artístico, que a dança contemporânea não é um problema mas apenas uma questão de linguagem e de expressão.
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