Durante muitos anos, a palavra «romance» pareceu-me inadequada para definir o género de livros que define. Isto porque, no meu mundo cultural, romance começou por significar apenas «relação amorosa», e na fase inicial de leitor interessava-me tudo menos ler histórias de amor, que imaginava sempre melosas, fúteis e cheias de clichés como as das fotonovelas. Talvez tivesse nisto um papel a imposição cultural que tradicionalmente ditava uma dupla separação por géneros: as fotonovelas e as histórias de amor eram para raparigas; os rapazes, se liam, liam histórias de cowboys e de aventuras.
Mesmo depois de ter passado a conhecer a origem e a amplitude semântica da palavra, raramente me referia a um livro como um romance, ainda meio receoso (e portanto inseguro de mim mesmo) de ser mal interpretado, com vergonha de ser falsamente apanhado a ler e a falar de historietas para corações sonhadores. É que romance não abrangia sequer coisas como Romeu e Julieta, que tinham todo o peso da História e da tragédia clássica a protegê-las de uma percepção meramente lamechas ou sentimental. Era algo abaixo disso (e uma coisa machista): romances eram livros escritos apenas para entreter pré-nubentes e casadas iludidas que ainda sonhavam com príncipes encantados e beijos ternurentos a toda a hora. O Velho que lia Romances de Amor era assim um título que incluía um pleonasmo grosseiro e que, por isso, desagradava duplamente. «Romances de amor» parecia a ênfase sádica ou sarcástica de um autor cansado dos seus leitores piegas. Era nestas águas preconceituosas que vogava o meu pensamento.
E não vogava sozinho. Fora dos livros e dos jornais que lia, o meu mundo não estava ciente da etimologia em geral. As palavras tinham em regra apenas um significado, não se consideravam subtilezas como o contexto. Eu gostava de pensar que era assim porque o conhecimento não estava muito disseminado, primeiro por paternalismo do Estado Novo, depois por negligência (ou conveniência) da democracia e, finalmente, por uma consciente opção de ignorância por parte das próprias pessoas.
Imaginava então, incapaz de ver para além do meu mundo, que não se podiam ignorar as limitações semânticas do povo. Se queríamos comunicar, ser entendidos, devíamos escolher as palavras. Se estávamos a ler Guerra e Paz não devíamos dizer que estávamos a ler um romance, para não diminuir o génio de Tolstoi. Para quem lia, A Montanha Mágica poderia ser um romance, mas para os leigos era preciso usar palavras que não só afastassem a ideia de história de amor como a de livro de fantasia, dado o sentido aparente do título. Ansiava, sem o saber, por uma campanha de dinamização cultural do MFA destinada a resolver o equívoco de termos como romance. O que teria sido uma manobra romântica dos militares, para evocar outra palavra semiologicamente ambígua.
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