segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Mosquito

Descobri hoje que o zumbido que há dois dias me trazia a suspeitar de um curto-circuito em qualquer ligação da parafernália electrónica da sala era, afinal, o insecto que a meio da semana tinha resolvido aborrecer-me marrando contra o ecrã e fazendo-me tangentes às orelhas. Fui encontrá-lo num recanto, rodopiando de pernas para o ar, versão minúscula, capotada e igualmente pertinaz de um nazi atolado na estepe. Ao contrário do que aconteceu no nosso primeiro encontro, em que sem sucesso fiz das mãos raquetes, agora ajudei-o a pôr de novo os seis pés na terra, como, humanamente, teria feito com Gregor Samsa. Daqui a pouco, se entretanto recobrar energias, há-de vir de novo ao encontro da luz e de encontro a mim. Não faz mal. Prefiro a dignidade e o risco de um combate corpo-a-corpo do que a crueldade de deixar sem auxílio um ferido de guerra. Ele certamente ter-me-ia deixado morrer de fome e sede, se calhasse ter sido eu a ficar esperneando de costas depois do match de quarta-feira. É isto que nos separa, ao mosquito e a mim, esta réstia de humanidade que me faz ter pena até de um empedernido votante de Trump ou de um colunista do Correio da Manhã.

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