Sempre gostei de gente encurralada. Assim de repente lembro-me de um
pelotão americano no Estreito de Bering à espera dos russos num filme sobre a terceira
guerra mundial, Tex Willer numa colina à espera dos índios, uma multidão
sozinha em casa à espera de zombies em ene variações cinemáticas sobre o mesmo
tema e um escritor de asa ferida atolado numa cabana setentrional à espera do
degelo da Primavera. Fascina-me a tensão da espera. Ou talvez me fascine a
sensação de isolamento, de solidão extrema, tipo último homem na terra face ao seu destino. Eis porque gostei de Eu Sou a Lenda (até aparecerem outros humanos).
A neve é um bom contexto para histórias de encurralados e/ou solitários.
Eu, que me vejo com frequência masoquista na posição de encurralado, odeio que
não neve neste país de brando clima. Abasteci a despensa de conservas para o
dia em que nevasse para uma semana e de cada vez que recorro a elas é apenas porque
há uma crise económica, forma pífia de encurralamento.
Um dos males de se ser adulto fora da ficção é estar-se encurralado e
não se poder simplesmente ficar em casa à espera dos zombies, como Penélope à
espera de Ulisses mas com menos carinho e mais zagalotes. Quando se é adulto e não se é
personagem de um filme ou de um livro, como é minha triste condição, um
tipo tem de sair para conviver com os zombies, fingir-se um deles, agir como
eles, com o mesmo tipo de prazeres e ambições.
Por isso quando, a propósito de férias, me perguntaram qual o meu local
de sonho para uma semana em Portugal eu respondi sem hesitar: «a Herdade da
Coitadinha, Barrancos».
Que era um fim-de-mundo, disseram com pasmo depois de eu explicar onde
ficava. Exactamente. Se o limite é o território nacional, não vejo onde possa
desejar mais estar do que naquele belíssimo cu de judas.
Não falo de cor. Já lá estive e sei bem o quão isolado e desejavelmente
pouco frequentado é o sítio. Estudei-lhe a geologia e parece-me solo pouco
consistente. O castelo de Noudar ali perto já viu algumas das suas fundações cederem
com inveja da Torre de Pisa. Tenho esperança de que quando lá me conseguir
hospedar por uma semana se abram entre mim e a civilização barrancos como
fossos de profundidade Senhor dos Anéis
(não aquelas valazitas que hoje dão nome ao sítio) e que a assim a minha semana
se torne residência definitiva. Confio na bondade humana para me fazer descer
víveres em pára-quedas, mas estou disposto a enganar-me nesse item e a viver de
raízes.
Ah, ir uma semana para a Herdade da Coitadinha e já não sair. Livros e
uma carabina, eis a minha bagagem. Livros para as necessidades básicas da vida
e a carabina para a eventualidade de apodrecidas visitas indesejadas. Isso e
uma nevada canadiana em Barrancos. Mas canadiana de Grise Fiord, não de
Toronto. Nos terraços da Herdade da Coitadinha, que já experimentei, está-se
como nos terraços de Davos (e o tempo é igualmente relativo).
Não peço muito mais para as minhas férias. Talvez uma mantinha a cobrir
as pernas, se realmente nevar.
Se adicionar à lista umas garrafas de Macallan de 18 anos, à media de pelo menos uma por dia, sou capaz de alinhar consigo. Pelas razões óbvias não estarei em condições de chatear.
ResponderEliminarmanuel.m
eheheheh
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