(Ensaio de um ex-baixista frustrado)
Não sei se por ter sido baixista e na definição clássica um baixista ser um guitarrista sem talento e frustrado, sinto grande simpatia pelos membros esquecidos das bandas. Por exemplo, fico retrospectivamente contente quando leio que Morrissey perdeu o diferendo jurídico que manteve com o baterista dos Smiths. É que, embora se saiba que o génio de um grupo é quase sempre individual ou, vá lá, bicéfalo, não é menos verdade que na maior parte dos casos tudo o que de realmente genial esses génios individuais fizeram aconteceu enquanto estavam no grupo. O que são Lloyd Cole sem os Commotions, Roger Hugdson sem os Supertramp, Roger Waters sem os Pink Floyd, John Lennon e McCartney sem os Beatles, o próprio Morrissey sem os Smiths? Génios, é verdade. Mas génios menores. Talvez eu pudesse idolatrar o trabalho deles a solo se não os tivesse ouvido antes, quando tinham um grupo. Assim, apenas posso amar as suas carreiras a solo.
Não sei se por ter sido baixista e na definição clássica um baixista ser um guitarrista sem talento e frustrado, sinto grande simpatia pelos membros esquecidos das bandas. Por exemplo, fico retrospectivamente contente quando leio que Morrissey perdeu o diferendo jurídico que manteve com o baterista dos Smiths. É que, embora se saiba que o génio de um grupo é quase sempre individual ou, vá lá, bicéfalo, não é menos verdade que na maior parte dos casos tudo o que de realmente genial esses génios individuais fizeram aconteceu enquanto estavam no grupo. O que são Lloyd Cole sem os Commotions, Roger Hugdson sem os Supertramp, Roger Waters sem os Pink Floyd, John Lennon e McCartney sem os Beatles, o próprio Morrissey sem os Smiths? Génios, é verdade. Mas génios menores. Talvez eu pudesse idolatrar o trabalho deles a solo se não os tivesse ouvido antes, quando tinham um grupo. Assim, apenas posso amar as suas carreiras a solo.
Há algo num colectivo que faz
o som de uma banda. Uma banda pode ter num tipo que se limita a abanar a
pandeireta um elemento fundamental. Toda a gente sabe abanar uma pandeireta,
mas só quem bebe connosco ou fuma connosco abana a pandeireta daquele jeito que
o grupo precisa. É corrente gozar-se com Ringo Starr, mas o que seriam os Beatles
se na bateria tivessem John Bonham? Diferentes, claro, mas também piores, acreditem. A genialidade dos
grupos pop/rock não está apenas no talento dos seus instrumentistas ou
compositores, mas no cozinhado que eles conseguem fazer com as diferentes
capacidades e contribuições dos seus elementos. Um hit pop é um acidente no
universo da música. Tem menos a ver com o virtuosismo das partes do que com o
cruzamento delas. Em rigor, não há filhos sem pai ou sem mãe. Frequentemente,
apenas um dos progenitores tem genes que se aproveitem (e, tantas vezes,
nenhum), mas a beleza de alguém é sempre um cocktail
que resulta da sacudidela conjugal. Ou de haver sorte no banco de esperma.
Os génios que se lançam numa carreira a solo cometem o pecado da
soberba. Se não conseguem deixar de se zangar com os bandmates, deviam ter a coragem de se reformarem ou morrerem para
deixar o mito intacto. Mas não, suas excelências acham que ainda têm muito para
dar (e é verdade) e vão para estúdio com um conjunto de tipos contratados à
espera que a magia aconteça entre estranhos como entre íntimos. Os músicos
contratados ou requisitados para acompanhar vedetas recém-divorciadas são
tratados com paninhos quentes (no caso de serem eles próprios vedetas de outras
proveniências) ou como escravos. Ora, com escravos fazem-se pirâmides, não
música. E a cordialidade entre pares dá palmadinhas e salamaleques coreográficos,
não canções.
Acresce que o génio desagrupado tende a achar que, desde que tecnicamente
correcta, é indiferente a linha de baixo, a malha de guitarra, a agitadela da
pandeireta que passam a acompanhar a sua música. Na sua arrogância recém
adquirida (ou exacerbada), julgam auto-suficiente a canção que compõem. E por
isso gravam discos sem personalidade, ou com a personalidade de um grupo de swing (um grupo de adeptos da troca de
pares sexuais, excitante, mas inconsequente). Pressente-se ali o talento
melodioso do compositor, a voz distinta, a interpretação temperamental — mas como
ecos do passado. The Pros and Cons of
Hitch Hiking podia ser um bom álbum, mas sem os Pink Floyd é um fraco sucedâneo
de The Wall. (Pelo seu lado, A Momentary Lapse of Reason por não ter Roger
Waters tem muita dificuldade em parecer música.)
Quando se esteve num grupo, não se devia pretender a arrogância de uma carreira
a solo. Quem quer uma carreira a solo chama a si próprio desde o início David
Bowie e calça-lhe os sapatos de plataforma.
Fica aqui o meu elogio aos grupos — e a minha frustração por, enquanto ex-baixista,
não ter um grupo a quem pedir indemnização.
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