Assistir (é este o termo) à entrevista de Rogério Casanova a Geoff Dyer
na Ler é um exercício de masoquismo.
A erudição e o escrúpulo literário do português vergastam-nos e deixam o
próprio entrevistado entre o intelectualmente embevecido (quando o cérebro geek e coleccionador de autógrafos de Casanova
está ao serviço de uma espécie de private
flattery) e o ligeiramente claudicante (quando Rogério e a sua inteligência
ficam à solta e resolvem eles mesmos discorrer sobre os assuntos que
previamente propuseram a Dyer). Numa conversa destas sobra para nós o lugar de espectador
perdido — e para os nossos queixos a função natural de caírem bovinamente.
Claro que podemos adoptar uma atitude revanchista, a de avançar pelo mato
das citações e das referências empunhando como catana a nossa própria e
miserável experiência. Martin Amis é ali previsivelmente tido como um Deus do
Olimpo? Bem, sempre podemos defender-nos dizendo que não se aguenta um London Fields a seguir a um Money. A bem da nossa própria
idolatração, aconselha-se entremear um breve Night Train ou um diverso The
Pregnant Widow, talvez um The
Information, se o stock de vinho estiver em níveis razoáveis. Não podemos decerto
dizer, como Geoff, que Amis um dia jantou em nossa casa, mas podemos sempre
jurar que o regurgitaríamos (ao jantar) (e ao escritor) se ele aparecesse sem
respeitar o tempo de digestão e a variedade na dieta aconselhados pelo
endocrinologista.
Quanto à assertiva harmonia entre os interlocutores na entrevista,
podemos ser pícaros e enviar para o consultório de Casanova na Ler uma pergunta sobre As Correcções, de Jonathan Franzen.
Ficou ele ou não deprimido por saber que o desistente precoce* e muito
casanoviano enjoado autor de Yoga para
pessoas que não estão para fazer yoga tinha passado três semanas «muito
felizes» a ler até ao fim a obra do
tipo que fez capa da Time como o novo
grande romancista americano?**
* Geoff Dyer, precocemente schopenhaueriano, diz que a sua «capacidade
de desistir de um livro não tem paralelo»1.
** Depois desta frase não levo a mal que o leitor use o inalador para a asma.
** Depois desta frase não levo a mal que o leitor use o inalador para a asma.
1 O escritor também diz que há uma «progressão neutral» que reduz
um dia os leitores masculinos à «vontade de não ler mais nada a não ser
história militar». Na minha neurologia de bolso, eu imaginava que a isto se chamava regressão, regresso à adolescência e aos
soldadinhos de chumbo.(a)
i Franzen diz que ele e David Foster Wallace eram amigos. Não tive ainda oportunidade de saber o que pensa sobre isto Casanova.
Estive ontem de tarde - antes de partir para mais festivas paragens como, à noite, tive oportunidade de descrever lá no meu canto - a ler a referida entrevista.
ResponderEliminarAo lê-la, pensei isto: 'Mas que pouca sorte a de um escritor quando apanha pela frente um entrevistador destes...'. Mais para o fim já só passei os olhos em diagonal para perceber se o registo se mantinha.
Não escrevo e, se escrevesse, presumo que nunca ganharia a aura necessária para que um Casanova desta vida se desse à maçada de me entrevistar. Mas se me ponho a imaginar a cena, acho que seria de fugir. Um entrevistador que parece ter a pretensão de evidenciar a sua própria erudição deve mesmo ser o terror de qualquer entrevistado. Que coisa...!