Nos dias tristes que vivemos, a opinião está dividida entre os que
apoiam e os que são contra. Não esta ou aquela matéria em particular, mas todo
o pacote. De repente, não há espaço para concordar ou discordar em parte,
concordar com isto e discordar daquilo, achar bem isto, mas também aquilo. A síntese
não tem lugar. A opinião deixou de ser antecedida de um menu de onde cada um escolhia
os pratos da sua refeição: vem já servida da cozinha e os comensais ou a mastigam
vorazmente ou atiram a bandeja à cara do cozinheiro. Não há meio-termo e por
vezes nem boas maneiras à mesa. Muitos bloggers,
mesmo que apetrechados de argumentos, parecem-se com os tipos que escrevem nas
suas caixas de comentários: radicais, indefectíveis, sem paciência para o
adversário. A bengalada verbal ocorre amiúde, não no melhor espírito
oitocentista romanticamente defendido por João Pereira Coutinho, mas no mais
contemporâneo estilo claque de futebol. É, aliás, a camisola o que parece
sustentar a opinião que se escreve e não a inteligência, a argúcia, a
ponderação.
É assim pouco provável um debate que possa encontrar caminhos
diferentes para os anos que nos esperam. Os que são pelo Governo acreditam no
milagre da austeridade e não estão dispostos a discutir sequer os pormenores da
sua implementação, a coisa é para ir à bruta, sem contemplações, não há nuances, particularidades, equilíbrios ou
compromissos que se possam considerar. O tom colérico, moralista ou desdenhoso
que adoptam presume uma pureza que despudoradamente se outorgaram. A ironia que
por vezes praticam é apenas uma arma de arremesso, não uma ferramenta de auto-avaliação.
Levam a sério uma licença para punir e expurgar que os próprios emitiram, com
uma autoridade que não se dão ao trabalho de questionar.
Do outro lado, há uma horda reaccionária
que está pronta a refutar todas as medidas, a recusar todos os cortes, todas as
alterações, todas as reformas, crendo num outro milagre, o da multiplicação dos
pães e dos peixes. Uma horda que, na sua inflexível e irresponsável oposição,
facilmente emparelha com os interesses das corporações, não se dando conta que
a soma de todas os interesses corporativos é o desastre. Aqui o tom é o da
guerrilha, da piromania.
Se os primeiros são insensíveis ao sofrimento e às dificuldades
individuais, os segundos desvalorizam os malefícios colectivos da revindicação desmesurada,
sem critério. O que os primeiros defendem não é sempre estranho à mecânica dos
autoritarismos — os segundos brincam levianamente com a anarquia.
Os factos noticiosos são hoje abordados (ou ignorados) de forma a
servirem os interesses do juízo preconcebido. Cada facção destaca ou
desvaloriza os aspectos que podem servir ou prejudicar a causa. De repente já
não é a notícia o que importa mas as partes dela que beneficiam (ou contrariam)
o argumento, que nos beatificam ou denigrem o adversário. Não há, aliás, factos:
há interpretações e a interpretação das interpretações, a exegese e a crítica
da exegese.
Claro que a margem de manobra de Portugal é mínima, mas confrange que o
nosso contributo para a resolução da crise tenha o nível argumentativo de um adepto
do Benfica, que as balizas do debate sirvam apenas para contabilizar golos das facções
e não para perscrutar com seriedade e consequência o futuro. Talvez o
capitalismo esteja a precisar de ser repensado — estamos num desses momentos da
História — mas em Portugal o que é relevante é a semântica desprezível ou heróica
de Passos Coelho e a cartilha que cada um escolheu deste ou daquele momento
histórico e que quer à força ver aplicada aos tempos que correm.
O debate entrincheirado esquece que a guerra de trincheiras provou a
sua perniciosidade há cem anos. Pretenderá comemorar-lhe o centenário?
...all they need is...LOVE!
ResponderEliminar:)
uma excelente reflexão. :-)
ResponderEliminarinfelizmente, 100% de razão!
ResponderEliminarMuito bom post!
ResponderEliminarObrigada.