A narradora do romance Recordações do Futuro, de Siri Hustvedt, defende — como de resto a própria autora na sua vida real — a tese, assaz plausível, de que aquela que os especialistas consideraram a obra de arte mais influente do século XX, a célebre Fonte atribuída a Marcel Duchamp, foi na verdade uma criação da artista e poeta avant-garde e dadaísta Elsa Hildegard ou Baronesa von Freytag-Loringhoven.
O que acho irónico nisto não é haver um equívoco associado à peça que inspirou uma longa série de equívocos na arte, mas ver uma parte da comunidade que validou a ideia revolucionária e transgressora de “arte conceptual” ser hoje potencial veículo da perpetuação de um sentimento reaccionário: o patriarcalismo.
Explico melhor: a ironia não vem da resistência que especialistas oferecem à sugestão de que há uma autoria diferente e feminina para A Fonte, mas da possibilidade que se abre de vermos detractores habituais da arte conceptual tornarem-se de súbito acérrimos defensores do legado de Marcel Duchamp.
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