Numa zona de lameiros havia na minha infância, à margem da estrada, duas casas com graça: uma com alvura e estilo Raul Lino e outra construída numa simetria de pedra à vista e portadas sangue-de-boi que, pela majestade aparente, se diria senhorial mas, pelo estilo arquitectónico e época de construção, o não era. Ambas tinham nos seus lotes de terreno árvores que as emolduravam e ramadas que as ladeavam. A casa de pedra na verdade não tinha árvores, tinha o seu próprio bosque, de que ela era o centro, como clareira encantada que se entrevê. Era, também por isso, uma casa toda mistério e promessas que provocava desejo de posse.
Nenhum de nós amantes pueris que por ela passávamos e anelávamos quotidianamente logrou na vida ganhar dinheiro para compras assim, e isso irmana-nos, a nós e à casa, no infortúnio.
Como a vida não é um conto de fadas mas quase sempre epopeia reles de videirinhos, o novo proprietário fez nela obras de renovação que incluíram derrubar as árvores e a ramada. É agora uma desolação e um embaraço vê-la. No descampado dos lameiros surge frágil, exposta às intempéries, e nua, o que nos obriga a desviar os olhos por pudor. E se o não fazemos, se a espreitamos (e devassamos), notamos como a arquitectura é afinal menos nobre do que parecia, mais grosseira. Falta-lhe a moldura verde a dar vida à pedra bruta e arte à cantaria tosca, a interromper a monotonia cinzenta e a encobrir com mistério de folhagem o que nela há de menos conseguido.
Virá o Verão e a inclemência do sol, mas só a casa, habituada a muitas décadas de sombras frondosas e acolhedoras, nos há-de merecer pena, com a sua pele fina agora sujeita ao melanoma das casas mal-amadas; os proprietários, esses, hão-de decerto resistir bem à canícula — com bonés de basebol, amplos e coloridos guarda-sóis da Super Bock e, talvez, infame evocação da velha latada, uma rede de plástico verde sobre os carros.
Agora deu-me um pequeno baque: como suponho que é de Vila Real, a zona de lameiros em questão não será a de Borbela (mais precisamente o seu início)?
ResponderEliminarNão, é na região onde vivi antes de Vila Real. Felizmente as casas de Borbela estavam bem, da última vez que as vi.
ResponderEliminarA descrição lembrou-me umas casas de Borbela, terra da minha família, e do caso particular de umas árvores arrancadas numa propriedade porque, embora custasse, tinha mesmo de ser - a alternativa seria cairem naturalmente, o que dado o seu porte não era uma perspectiva muito agradável.
ResponderEliminarEspero que tenham logo plantado outras. ;)
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