sábado, 26 de janeiro de 2019

«A bosta da bófia»

A polícia, como se sabe, é amada por todos os portugueses. Sempre que há uma operação stop de surpresa, os tugas rejubilam e correm ao encontro dos agentes. Se a operação inclui medição da taxa de alcoolémia, o Zé português fica tonto e desfaz-se em mesuras e elogios, escolhendo os melhores adjectivos do rico vocabulário nacional. Se por azar o carro do tuga não é apanhado pelo radar (não por falta de empenho do condutor, bem sabemos), este vai logo ao multibanco fazer um donativo generoso, superior à multa a que tinha direito, e pelo Natal envia um postal delicado para a esquadra. Quem passa na estrada dá sempre sinal da presença da polícia aos condutores que vêm em sentido contrário para que ninguém perca a oportunidade de cumprimentar os agentes, não fosse algum distraído passar sem os ver e honrar. Donos de bares não fecham os estabelecimentos a horas só para poderem ser visitados pela polícia, que recebem como as crianças receberiam o Pai Natal, se ele aparecesse: com carinho, abraços e beijos gulosos. Comerciantes anseiam pela ASAE ou por qualquer tipo de fiscalização só para poderem acolher os agentes que por vezes acompanham os inspectores. Nos estádios, os adeptos descamisam-se e atropelam-se para irem abraçar os agentes destacados, que receberam desde o apito inicial com gestos de calorosa afabilidade e cânticos aprendidos nos mais virginais livros de salmos.
Mas eis que um preto se apropria dos hábitos e palavras nacionais para se dirigir publicamente à polícia como «a bosta da bófia». Os pretos não são, por definição, portugueses, logo não podem dirigir-se às auctoridades* com as mesmas palavras que um português usaria. Ainda assim teve sorte Mamadou Ba. Se tivesse recorrido a uma expressão ainda mais reiterada e genuinamente tuga, por exemplo, «a puta da bófia», certamente não seria apenas ameaçado.


*Deliciosa expressão roubada à excelente escrita de Francisco José Viegas, de quem infelizmente tanto tenho discordado. 

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