Recordo com benigna nostalgia a voz sofrida de Mike Scott
nas colunas sofríveis da Blondie, mas
recordo também, como num pesadelo recorrente, a fauna que afluía à pista nesse
momento, uma turba acabadinha de sair dum casting
para o Thriller de Michael Jackson:
trolhas espanados e estudantes pouco convincentes do secundário, betos
remendados e futuros bancários e juízes obesos, todos unidos em espírito e
espirituosas e locomovendo-se como protótipos de robot feliz e coruscante por ter acabado de ser inoculado com a última
versão do MSDOS.
Os que tinham dançado slows
retiravam-se momentaneamente para um canto, por vezes acompanhados, por
vezes sós e fingindo-se sem fôlego. Mas ao segundo compasso do hino estavam de
volta, de olhos semicerrados e gestos amplos como todos, como se os lamentos
escoceses de Scott, mais do que canto de sereia, fossem a sineta de Pavlov.
Voltei a assistir a semelhante refluxo pavloviano vinte e tal anos depois, ao som dos Arcade Fire. Nessa altura eu já fingia olhar
para a comunidade como um Lobo Antunes em dia de entrevista — cínico e maldisposto
—, mas no íntimo rejubilava. Menos pelo que havia de evocação dos eighties na música catártica dos Arcade
do que por constatar que ainda havia música melódica capaz de comover zombies.
Agora já nem sei porque escrevo isto, ainda nem sequer é Lua cheia. Há uma linha óbvia de
continuidade entre os Waterboys e os Arcade Fire, claro, com o seu tom épico,
ritmos vincados e acumulação de instrumentos e coros, mas a quem importa isso?
Não aos rapazes do Ípsilon, decerto.
Os Arcade Fire soçobraram cedo e os Waterboys nunca terão o exotismo de um Bonga.
Eis-me de polegar direito na presilha (não usava cinto) e Sagres média (a mini foi uma reabilitação hipster posterior) na outra mão, balançando-me como se dançasse e fosse bonito (um Federer negativo, segundo o ensaio daquele moço Wallace, que dizia que ele nos fazia esquecer que temos um corpo).
ResponderEliminarAinda ontem, quando vinha a conduzir, vi um arco-íris, e lembrei-me logo do início do The Whole of the Moon
ResponderEliminar"I pictured a rainbow..."
Resultado: fiz o resto do caminho a cantar - vinha sozinha, no problem ;)
No século passado o álbum This is the Sea foi tocado até ficar riscado.
Saudações Periféricas.
Maria