Se me pedirem uma definição de felicidade, digo um mergulho
ao crepúsculo. Não é de agora, sempre me seduziu a ideia de nadar depois de se
pôr o Sol e insinuar a noite. Quando era adolescente, ficava com dois ou três
compinchas à espera que o porteiro da piscina se fosse finalmente embora para
voltar à água, depois de saltar o gradeamento. Não nos convencia a convenção
burguesa de horários de abertura e fecho de uma coisa tão essencial à vida
quanto a piscina, e ao crepúsculo a temperatura do ar aproximava-se da da água,
pelo que os dois ambientes pareciam extensão um do outro, como se
regressássemos à condição primitiva de anfíbios, tão confortáveis dentro como
fora da piscina, sem choques térmicos nem sobressaltos existenciais. Toda a gente
se tinha ido embora para cumprir o hábito de jantar a horas pelo que se acumulavam sensações: emancipação, liberdade, posse,
exclusividade, privilégio, intemporalidade, imortalidade.
Com o tempo deixei de ser um fanático dos banhos, incomodado
pelas multidões, pela música idiota e aos berros das piscinas, mas também pelo
sol agora inclemente, pelas beatas na areia da praia e mesmo pela areia sem beatas. Contudo,
sempre que tive a oportunidade de chegar com bom tempo ao local dos banhos e depois
de quase todos terem saído, aproveitei e fui feliz. Mas isso tornou-se cada vez
mais raro, as piscinas fecham cedo e a vida tem-me deixado quase sempre longe
de praias desertas, lagos ou rios navegáveis a crawl.
Por isso, há dias, quando dei por mim sem compromissos junto
ao Douro num fim de tarde paradisíaco, pus-me a olhar para água e a cismar.
Lembrava-me da minha novelita duriense e de como tinha
ficado cheio de inveja dos mergulhos do protagonista. (Escrever a novela tinha
sido, aliás, em parte, uma tentativa de adivinhação ou de inoculação por via
ficcional do prazer de nadar no Douro vinhateiro.)
Havia o inconveniente de estar desprevenido, sem calções de
banho ou toalha; a água mostrava-se suja pelos barcos; ignorava as correntes e o
fundo de um rio que nunca draguei. Mas havia uma urgência grande de sentir na
pele a água e de ter a experiência. Assustou-me a ideia de passar os próximos
tempos ou a vida com remorsos de ter recuado.
Os barcos acostaram longe, os últimos turistas já só
passavam na estrada a caminho de sítios onde jantar, os peixes ficaram mais
activos nas suas emersões para apanhar os mosquitos do ocaso e eu despi-me e
entrei na água, suavemente, longamente, até ao eixo do rio e até ser noite…
No dia seguinte voltei, um pouco mais cedo e já com
companhia vigilante, que tirou de mim a fotografia ali de cima, onde o autor imita
a obra. A foto está lá não para satisfazer o impulso narcísico de me ver e
rever nas águas, mas para activar as sinapses que guardam a memória de um mergulho
ao crepúsculo. Para me recordar que fui feliz, em suma.