A moeda de troca que a Igreja Católica aceitou pagar para
que o povo não rejeitasse a apropriação foi a bênção mais ou menos tácita do
lado profano das celebrações: a música, os bailes, as refeições pantagruélicas,
a bebida a rodos, uma alegria desenfreada e por vezes debochada, pouco
católica, em suma.
O corolário relativamente recente desta concordata plebeia foi
o livre-trânsito para a brejeirice da música pimba. Conquanto um bom punhado de
crentes não falte à missa e à procissão, a Igreja não vê qualquer inconveniente
em que no adro, na madrugada anterior, se rocem os corpos e cantem letras
libidinosas e frequentemente grosseiras, machistas, sexistas, atávicas e desafinadas.
É por isso curioso ler agora que um conjunto de católicos e o próprio bispo de Santarém se indignaram porque no festival Bons
Sons (na aldeia de Cem Soldos) houve um concerto de música moderna portuguesa numa
capela («Woodstock na igreja», disseram, escandalizados). O protagonista do
concerto era essa figura mefistofélica que dá pelo nome artístico de Homem em Catarse
(googlem, só correm o risco de gostar).
A notícia vem em vários órgãos de comunicação, alguns dos
quais provavelmente nunca dedicaram uma linha ao festival e às actividades de
Cem Soldos mas não hesitaram perante esta polémica.
Se tivesse pelo menos a inteligência táctica que demonstrou há
séculos, a Igreja Católica estaria hoje a tentar seduzir o Bons Sons (e nós
esperando que sem sucesso). Assim, limitou-se a demonstrar de novo uma
estrutural estupidez e falta de gosto*.
(*Com a excepção do padre da paróquia.)
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