Descem a vereda do parque em passo lento de sábado à tarde. Vistos de
costas, não se percebe se são namorados, se irmãos ou mãe e filho (ela parece
mais velha), mas essa dúvida é ainda mais espúria quando os vemos posar para a
fotografia: o que importa se o que encenam para a câmara é amor romântico ou
ternura familiar? No simulacro dos sentimentos é indiferente o tipo de
parentesco.
Encostam muito a cara, o braço dele sobre os ombros dela, ela como tenaz
a cingir-lhe os rins. Podem estar só a espremer-se para caberem no
enquadramento (acontece até a estranhos em bodas, ombrear promiscuamente a
mando do fotógrafo), e a expressão feliz que de súbito lhes ilumina o rosto pode
ser a apenas a resposta instintiva, culturalmente determinada, a um imaginado «olh’ó
passarinho». Regressarem com igual rapidez às caras sisudas anteriores parece
corroborar esta ideia de que presenciamos uma farsa inocente, ritual.
Mas nada impede a especulação literária. A vida não impede geralmente a
especulação literária. Fotografias sorridentes são instrumento que as pessoas usam
para acreditarem, a coberto dos anos ou da distância, que em certo dia ou local
foram felizes. A foto como alibi para a auto-estima ou o optimismo. Talvez
alguém naquele casal conhecesse já as faculdades paliativas da nostalgia.
(Folhear um álbum é seguir uma prescrição antiga de alienação e tirar
fotografias com este móbil poderia ser judicialmente censurado como plantar
cannabis. Mesmo que apenas para consumo próprio.)
é verdade, escondemos-nos muitas vezes atrás das fotografias...
ResponderEliminare nestes tempos em vez de olharmos as coisas como elas são (a fotografia distorce a realidade, sempre...), fartamos-nos de disparar, a máquina ou o telemóvel, quase esquecidos do real.
bom ano de 2015, Rui Angelo, com um novo livro.
Obrigado.
ResponderEliminarMas mais intrigantes são as fotos do protagonist tendo um monumento por detrás:
ResponderEliminar"Olha eu quando fui ao Taj Mahal!"
Serão certificados de autenticidade ? Mementos dos lugares certamenre não são-um simples postal cumpriria melhor o objectivo.A justaposição na mesma imagem do fulano A com o Big Ben tirada naquele preciso instante é valiosa por ser irrepetivel e unica ?
Sim, talvez, mas para quem ?
O seu velho conhecido Martin Amis disse um dia que há dois tipos de escritores: Os contadores de histórias e os cinzeladores de palavras. Acho que o Rui faz o dois em um, e com tanta coisa para contar, tanto segredo para desvendar, aguardamos com suave expectative que nos comece a encantar.
manuel.m