Duas senhoras de idade, balanceando bastões ou bengalas, sapatos de
desporto, calças de fato de treino. A mais nova fala e a outra ouve, retorque
de vez em quando, faz perguntas. A dada altura, a senhora mais velha fica para
trás, bengala fincada no chão, mão no peito. Decorrem segundos de incerteza. O
que significa aquele silêncio, aquela pausa? Apoplexia? A iminência de um
ataque cardíaco devido ao esforço da caminhada? O mundo fica suspenso. Então a mais
nova vira-se para trás e afinal está sorridente. A outra explode por fim numa
gargalhada que a estremece da cabeça aos pés, a desequilibra. Tinha sido dita
uma pilhéria entre elas e o corpo da mais velha já não se entrega a um riso desbragado
e franco sem uma preparação, o apoio da bengala. Retomou a passada apenas quando
as ondas de choque cómicas desceram a níveis menos sísmicos.
Pai e filho
O pai leva o filho pequeno, quase bebé, ao colo. Param em frente ao bar
eternamente por concessionar e espreitam pelo vidro. Lá dentro, ausência de
mobiliário e garrafas dispersas pelo chão. O puto aponta e diz: «Coca-cola». O
pai ri-se, mostra-se orgulhoso do feito. Talvez ache que é bom para o miúdo aprender
cedo a reconhecer os produtos e as marcas que balizam a sociedade. Parece
seguro afirmar que aquele miúdo já tem um clube, o pai decerto ensinou-o a
papaguear o nome do seu. É isto que um pai faz.
Tendência Nabokov
A (pouca) idade, o corte de cabelo, o andar, as sapatilhas, a t-shirt,
sobretudo os calções curtos e a frase: «E ele olha para mim e, tipo, calou-se,
e eu fiquei assim, tipo a olhar para o lado». Não há dúvidas: lolitas de marca,
um género em voga. Roupas e atitude de catálogo fashion, léxico de MTV. Talvez no mundo da moda para massas alguém tenha
sido suficientemente irónico para apelidar o estilo de «tendência Nabokov».
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