segunda-feira, 14 de abril de 2014
Revista de imprensa e blogosfera
Os conservadores, como aquelas pessoas que encaixam a realidade nas previsões do Zodíaco, discutem entre si de que forma a sua bibliografia muito culta e cool explica a actualidade. Para fingirem solidariedade social, concedem que se dê uma atençãozita ao trabalho de Thomas Piketty sobre a desigualdade económica. Vasco Pulido Valente, pelo seu lado, foi ler mais um livro de história da I Guerra Mundial que explica, claro, como o Estado Social e qualquer forma de socialismo são insustentáveis. Os comunistas à antiga andam excitados com as conquistas da Rússia e repetem para si mesmos que são direitos e benfeitorias. Putin, vê-se pelas fotos do fim-de-semana, anda literalmente inchado de orgulho com o sucesso das suas campanhas (há quem diga que é botox, mas são calúnias, macho russo não estica o rosto, é ilegal). Na Coreia do Norte, diz-nos um jornalista da Lusa, afinal não se deitam os tios aos cães e há liberdade de penteado (que é, como se sabe, um requisito mínimo para a liberdade de pensamento, que sob o couro cabeludo se abriga). Já só faltam 76 dias mas a Europa parece mais bem preparada para o centenário de Sarajevo do que o Brasil para o Mundial de Futebol.
sábado, 12 de abril de 2014
De olho no céu
Na página Humans of New York leio que, de acordo com um mito nativo americano, cães com olhos de cores diferentes podem ver simultaneamente a terra e o céu (no sentido mítico, ou religioso). E isto para mim explica o génio de David Bowie.
sexta-feira, 11 de abril de 2014
Gel, mães e filhos (2)
Como a mãe do post anterior,
talvez a minha não se tivesse importado de me comprar gel recebendo instruções por
telemóvel, se houvesse telemóveis quando eu era adolescente e se a mercearia do
bairro —
onde, família grande, nos abastecíamos a crédito para o mês, num vaivém de
sacos que parecia diligência de Noé em véspera de dilúvio —, se a mercearia do
bairro, dizia, tivesse a variedade actual de produtos e nós dinheiro para eles.
Sou dos que depois usaram gel e o largaram tarde, quando já corria o
risco de ser tomado por deputado de um partido do arco da governação. Não fui
deputado e a minha mãe decerto teve disso orgulho: não gostava que andássemos
em más companhias.
A verdade é que, tirando o gel, nada mais me qualificava para deputado.
Desde novo fui educado para ser humilde e sem ambições materiais. De cada vez
que mostrava alguma ambição (uma bola, uma miniatura de tractor, algodão doce
num arraial, um Fruto Real ou uma Schweppes, Sugus) recebia a resposta que hoje
nos dá o Governo: não há dinheiro. Mas ao contrário do Governo, a minha mãe não
o dizia com maldade de velha megera. Doce como era, dizia-o à superfície por
vezes com rispidez pré-25 de Abril, mas com um coração de generoso
revolucionário partido no peito. Ela que enfrentava a dureza da época como um
Salgueiro Maia quotidiano (um que por vezes derramasse umas lágrimas).
Não lhe deve ter sido fácil negar-nos permanentemente os desejos. E tinha
de o fazer em várias frentes (éramos seis, com interesses que variavam entre os
dos que usavam chupeta e os dos que começavam a fumar). Mas depois ficou
certamente contente por ver que os seus meninos lá medraram como Deus deixou —
mantendo-se fiéis à linhagem: empenhados e humildes.
Por (triste) sorte, já não se dará conta de que neste país a humildade e o
empenho se continuam a pagar mal e a castigar forte. Mesmo que em algum momento
se tenha usado gel. Ou por causa disso.Gel, mães e filhos (1)
Uma jovem mãe percorre as prateleiras do supermercado com o telemóvel
na orelha. Procura um gel para o cabelo e percebe-se que, com branda resistência,
está a ser dirigida remotamente pelo filho adolescente. Efeito molhado, fixação
normal, forte ou extraforte, marcas, preços... As variáveis são muitas e é
difícil encontrar um equilíbrio entre a exigência do rapaz e a carteira da mãe.
Não parece aborrecida com os caprichos do filho, talvez porque já teve
ou testemunhou experiências piores. Protagonizadas por teenagers maldispostos, rudes, rufiões, que acompanham as mães às
lojas como quem sequestra um desconhecido e o leva sob coacção ao multibanco mais
próximo. Filhos que mandam calar as progenitoras e cospem em público ninguém te perguntou a opinião como
bandidos sem paciência para as objecções patéticas e impertinentes das suas
vítimas. E que, depois de escolherem algo da última moda para gangues (que um
diligente criativo desenhou a pensar na globalização do Bronx), arrastam com
maus modos a mãe para a caixa, deixando já adivinhar que à saída da loja
atirarão com ela e a sua carteira vazia para uma valeta.
A mãe no supermercado fica por momentos esquecida a olhar carinhosamente
a filha, talvez para afastar maus pensamentos. A rapariga, criança, entretém-se
na secção de produtos para o rosto — não ainda a projectar-se na adolescência
que tarda, mas porque as cores e as formas lhe parecem divertidas.quinta-feira, 10 de abril de 2014
Imprudência
Com os cada vez mais evidentes sinais de regresso dos fascismos à
Europa (e ao poder; a originalidade da Hungria não durará), com um clima político
a leste cada vez mais prussiano, a
direita continua, com moral de inquisidor, obcecada em punir os países e as
pessoas que, na opinião dela, viveram acima das suas posses. A direita é muito
estúpida, conivente ou imprudente. E receio ter escrito imprudente apenas por cortesia ou fair play.
segunda-feira, 7 de abril de 2014
Confidencial
Porque as coisas são o que são e porque esta noite me
visitou o espírito carrancudo mas empreendedor do Torga, comunico aos que se
interessam que editarei por mim mesmo, num qualquer dia solarengo, o Hotel do Norte e o Aranda. Não prometo é que esse dia
esteja perto (e com isto não estou a ser um céptico do aquecimento global).
O papel do jornalista tem dias
Nos posts anteriores defendi
o papel do jornalista no caso Rodrigues dos Santos versus Sócrates. Muita gente o tem feito, alguns com particular
ferocidade, incluindo o próprio José Rodrigues dos Santos. Contudo, não vi
muita gente defender o papel do jornalista também nos casos das partenaires inânimes de Marcelo Rebelo
de Sousa e Marques Mendes. Que de resto são comentadores há mais tempo.
É isto que me irrita ou entedia (depende das horas) na vida política
portuguesa, este clubismo sem coluna e hipócrita, incapaz de esconder o longo
rabo que deixa de fora. Onde têm estado os defensores do papel activo do
jornalista nos longos anos que Marcelo leva de missa dominical? Onde estão
quando é Marques Mendes a perorar sem particular contraditório?
Uma intervenção útil em defesa do jornalismo era terem aproveitado este
episódio para reivindicar verdadeiros jornalistas também nos programas de
Marcelo & Mendes — em vez de uma defesa de JRS que não consegue disfarçar um
imbecil ódio a Sócrates e é na verdade uma defesa acéfala do Governo.
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