A CMTV pode não ter os direitos de transmissão de certos jogos de futebol, mas exerce o direito de transmitir durante noventa inóspitos minutos imagens dos seus relatadores e comentadores a relatarem e a comentarem esses jogos.
No relato a que assisto (eis uma expressão que há quarenta anos ninguém suspeitaria vir a empregar, não por ser descrente da evolução tecnológica mas por lhe faltar imaginação para achar interesse no exercício), o relatador cumpre sem esforço o papel de afastar qualquer fantasia que alguém tivesse sobre a mímica, a gestualidade e a sanidade dos relatadores de futebol. Tirando a prosódia empolgada, nada na sua esfinge nos remete para domingos à tarde de rádio no ouvido.
Pelo seu lado, o comentador não comenta quase nunca, mas sofre permanente e visivelmente (não por estar ali, como se julgaria, mas pelo jogo a que assiste no seu monitor), o que me leva a conjecturar que ele foi posto no estúdio apenas para ilustrar a imagem de um adepto em frente à televisão em dia de jogo. A televisão como espelho e sem metáforas, portanto. Nos momentos em que o comentador está sem som, poderíamos ser levados a considerar que ele fez uma pausa no sofrimento para soltar com recato palavrões ou insultos ao árbitro — se ignorássemos a existência dos programas de «análise» desportiva.
O terceiro elemento com que a CMTV talvez justifique a ideia peregrina de relatos (não jogos) televisionados é uma janela em miniatura inserida entre relatador e comentador através da qual vemos, não sei se alternadamente, um dos treinadores das equipas a tentar dirigir, a partir do seu território desenhado a cal no melhor estilo Dogville à margem do campo, um jogo de que só temos conhecimento pelo relato, pelo sofrimento alheio e pelo gesticular montypythoniano do «mister».
Mas eis que a certa altura a televisão se ilumina com fotografias de um remate, de uma falta ou de um golo — e concluímos que a CMTV se poderia chamar nesses momentos Correio da Manhã Slide Show.
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