O jogo vai avançando e a equipa ganha por quatro a um, mas ele sofre como se houvesse um empate e na vitória residisse a última esperança da humanidade. Sozinho na mesa com os restos desolados do seu jantar, lança olhares suplicantes em volta à procura de uma alma gémea que compreenda o seu tormento e com quem possa partilhar agruras e impropérios. Porém — algo bizarro nesta era, uma noite pública irrepetível —, só encontra indiferença. É certo que um ambiente sem a habitual empatia não costuma intimidar os adeptos do jogo, mas ele acanha-se, comenta para si (e involuntariamente para mim, que tenho por cima do livro ouvidos de tísico) e morde a língua a cada ameaça de grosseria.
A equipa adversária marca um golo e o espectador, que já olhava o ecrã como quem a partir do banco do réu adivinha na fisionomia do juiz uma sentença desfavorável, vira-se agora para o tecto com expressão lancinante e um nó na garganta a avaliar a solidez de imaginárias traves de carvalho. Dois minutos depois, um terceiro golo fá-lo levar as mãos à cara, comprimindo-a e abrindo uma excruciante boca como o gritador de Munch, com o mesmo silêncio estridente.
A disputa acaba com o resultado de quatro a três (bastava o empate) e ouve-se-lhe a primeira observação em voz alta enquanto se levanta para pagar: «Poderia ter sido sempre um jogo calmo…».
Se o tomarmos como barómetro, somos levados a suspeitar, para lá das palavras, que o espectador não se referia à ocasião do 4-2 mas ao minuto zero, ao próprio apito inicial, como momento em que o jogo deixou de ser calmo.
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