O meu percurso habitual para o trabalho, uns dez minutos a atravessar a pé o parque florestal, teve hoje a banda sonora de um baile perdido no tempo. De início ininteligível, a música foi ganhando contornos e versos («há festa na aldeia / o arraial está bom de mais») à medida que se encurtava a distância que me separava da fonte, um tipo caminhando adiante com um passo ligeiramente mais curto.
A aproximação foi penosa, como se me dirigisse por absurda vontade própria a uma danceteria das que nos anos noventa começaram a surgir com música pimba. Na ultrapassagem optei por uma precavida trajectória ao largo, temendo que passar junto ao altifalante tivesse o mesmo impacto no músculo cardíaco e nos ossos que passar em frente aos subwoofers de um PA quando não se vê outro atalho para chegar ao bar. Exagerei na parábola, claro, o aparelhito portátil que o sujeito levava a confortar-lhe o ouvido e a alma tinha um sopro moderado, mesmo que os médios e agudos se ouvissem numa légua em redor.
A fase do afastamento, talvez devido às modulações introduzidas pelo vento que se levantou ou porque a distância voltava a aumentar e a percepção dos versos a diminuir na proporção inversa, foi menos rebarbativa e tornou-se até evocatória de uma outra forma. Já não era o pesadelo de uma danceteria a assomar do meio das árvores mas a memória vaga e melhorada de um verdadeiro arraial de aldeia a insinuar-se por sobre as colinas. A memória de quando a idade era suficiente (isto é, pouca) para se suspenderem juízos estéticos em troca das vãs promessas que um arraial continha e que, como os sub-graves, faziam tremer ossos e coração.
Gosto sempre de o ler, desde a Periférica, e hoje não foi excepção.
ResponderEliminarMas hoje quero dar-lhe os meus sinceros parabéns: distinção mais do que merecida. :-)
Enjoy!
🍂🍁🍂
Maria
Obrigado!
ResponderEliminar