segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Radio Ga Ga ou as ferramentas futuristas ao serviço da nostalgia nos anos 80

Quando ouvi pela primeira vez, na rádio, a canção «Radio Ga Ga» não pensei que fosse dos Queen e se me apaixonei por ela foi inicialmente pelo lado «futurista» dos arranjos — o que era uma grande ironia, julgo que involuntária, para uma canção que queria homenagear uma rádio em risco de ser ultrapassada pela televisão e o vídeo.

De resto, eu sentia ao ouvir a canção, com um misto de melancolia e excitação, um certo anacronismo, um certo atavismo (não totalmente entendidos), não só pela sugestão da música mas porque ouvia rádio tanto por prazer e necessidade como porque não tinha a alternativa que as tecnologias davam a muita gente em volta: gira-discos, aparelhagens de alta-fidelidade, leitores de cassetes, walkmans. Ouvia a rádio com um sentimento de clandestinidade, não por vergonha de o fazer, mas por vergonha de saber que era a única forma que tinha de ouvir música e, para compensar com fervor heróico um ego ferido, evocando as contingências da guerra, como agente em missão no estrangeiro sem outra maneira de estabelecer contacto com a pátria.

«Video Killed the Radio Star», dos Buggles, evoca o mesmo «problema» de transição da mesma forma irónica, reforçando o argumento de que podemos servir-nos das ferramentas do futuro para matar saudades do passado. A ironia (ou a crueldade) é aliás maior porque o video clip desta música terá sido o primeiro a passar na MTV.

«Echo Beach», que invoco apenas por capricho ou por sugestão de uma linha de baixo, faz um trio estética e sensualmente produtivo com as duas canções anteriores, embora nesta a nostalgia seja apenas a do Verão passado, tornado simbólico.

A nostalgia, a par da melancolia (de que é indissociável), é um estado de espírito tão propício à criação artística que nos servimos do passado, distante ou próximo, apenas como barro para moldar a obra que queremos legar ao futuro. Ou porque reviver o passado em Brideshead é frequentemente a única forma de sermos felizes no presente onde temos residência oficial.

Marcel Proust, se tivesse nascido num bairro operário da Londres dos anos oitenta do século XX, talvez tivesse armado o cabelo (e o bigode) com laca e gravado com sintetizadores uma obra conceptual em sete álbuns sobre os efeitos da passagem do tempo. (Se tivesse nascido no West End, como lhe era mais próprio, talvez tivesse sido apenas um simpatizante dos Iron Maiden. Da Iron Lady, quero dizer.)

2 comentários:

  1. Subscrevo. E Reviver o Passado em Brideshead é algo de...(nem sei adjectivar)...mas dá uns títulos do caraças aos nossos "posts"! :-)

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