Há perto de trinta anos descobri, envergonhado, que as minhas vizinhas liam Vergílio Ferreira. Envergonhado por mim, que ignorava o que escrevia Vergílio Ferreira e pensava que no bairro as senhoras só liam romances cor-de-rosa. Havia um livro esquecido numa mesinha, julgo que o
Em Nome da Terra, ou talvez o
Para Sempre, e enquanto me pus a folheá-lo, intrigado com a presença daquele objecto naquela casa, entrei num estado de espanto e êxtase que só terminou meses mais tarde, depois de ter aviado mais ou menos de enfiada aquele par e
Até ao Fim,
Uma Esplanada Sobre o Mar,
Na Tua Face,
Cartas a Sandra, uns contos do autor e, já esmorecendo,
Aparição.
Hoje descubro, desolado, que as minhas vizinhas lêem muito José Rodrigues dos Santos — e romances cor-de-rosa. Temo que já não leiam nada que se pareça com Vergílio Ferreira.
Não é o envelhecimento delas, suspeito, mas uma consequência e metáfora dos tempos.
Ou livros de auto-ajuda...metade das livrarias estão cheias deles mas um terço de culinária...pergunto-me: será que as pessoas precisam assim tanto de ajuda e cozinham tanto? Ou será que alguém lhes fez crer que sim? Do mesmo modo que mudam a altura das calças, das saias, a forma das mangas, etc...para que sintamos que o que temos no armário não pode ser usado naquele ano?
ResponderEliminar~CC~
Algo como isso, decerto.
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