Li este título do Público e
achei pouco. Mil livros ardem rápido. Mesmo numa aldeia de 150 habitantes,
dificilmente chegarão para um único Inverno.
Ah, esperem, o título tem um sentido figurado. Já percebi, trata-se de
uma iniciativa para a promoção da leitura.
Há uns anos, eu próprio tive o gesto romântico de doar uma biblioteca
de 500 livros a uma aldeia. A diferença é que naquela época o Público tinha um suplemento literário ao
fim-de-semana e falava com frequência de livros na edição diária. Hoje
condescende em ter uma ou outra página sobre livros num magro suplemento cultural
dominado sobretudo pela música. (A música é, para as últimas gerações de
portugueses, mais ou menos intelectualizadas, o que mais conta como cultura, e
nem sequer toda a música.)
É bom que se disponibilizem livros. O que a biblioteca itinerante da
Gulbenkian fez pelo desenvolvimento intelectual deste país é impagável. Mas ter
livros à mão num ambiente social francamente hostil à leitura pode ser, e
infelizmente é demasiadas vezes, pouco mais do que uma inutilidade. Sobretudo
quando a hostilidade é velada ou camuflada, não desafia, nem chega a ser hostilidade, mas
desprezo, silêncio na melhor das hipóteses, indiferença, geralmente mofa,
escárnio, por vezes advertência sincera contra os malefícios da actividade anti-social
ou anti-moderna que ler é.
O Público dá esta notícia
pelo pitoresco, o quixotesco, não por um real interesse no efeito que mil
livros à solta em Pitões das Júnias possam ter. O Público tem suficiente cinismo para saber que nove ou dez metros de
estantes caídas do céu pouco valem contra um país cujos media e instituições há muito deixaram de se interessar verdadeiramente
pela leitura. Não é impossível que, em Pitões das Júnias ou na Baixa da
Banheira, surjam leitores empenhados só porque alguém lhes deixou livros por
perto. Essa hipótese basta para que continuemos a simpatizar com iniciativas
como a noticiada pelo Público. Mas
não ignoraremos que essas pessoas se tornarão leitoras por uma qualquer tendência
ou vocação pessoal — e apesar do país
em que vivem.
É isso mesmo, Rui.
ResponderEliminar